UMA SELEÇÃO DAS SAGRADAS ESCRITURAS E ESCRITOS BAHÁ’ÍS RELACIONADOS COM A RAÇA NEGRA
A QUESTÃO MAIS DESAFIADORA
“Quanto ao preconceito racial, que há bem perto de um século vem corroendo a fibra da sociedade americana e lhe atacando a inteira estrutura social, este deve ser visto como constituindo a questão mais vital e desafiadora com que a comunidade se defronta na presente etapa de sua evolução. Os incessantes esforços exigidos por este problema de suma importância, os sacrifícios que impõe, o cuidado e a vigilância que demanda, a coragem e fortaleza moral que requer, o tato e a simpatia de que necessita, tudo isso investe esse problema ‑ longe ainda de ter sido resolvido satisfatoriamente pelos bahá’ís americanos ‑ de uma urgência e uma importância que não podem ser exageradas.”
AGRADECIMENTOS E NOTA EXPLICATIVA
Sinto que uma contribuição especialmente valiosa para a presente compilação foi feita por minha filha Liese, ao sugerir que um esclarecimento sobre o uso de determinados termos empregados nos textos selecionados fosse incluído no início deste manuscrito.
Tanto Bahá’u’lláh, como ‘Abdu’l‑Bahá e posteriormente o Guardião Shoghi Effendi - ou os diversos secretários que responderam sob sua orientação às inúmeras cartas que lhe foram enviadas - em suas palestras, epístolas e cartas usaram uma terminologia que naquela época era comum, aceitável e compreensível tanto por parte dos ouvintes como dos destinatários das missivas. Com o passar das décadas e o surgimento de um grande número de movimentos voltados à questão racial, novas terminologias foram introduzidas, tornando muitos dos termos anteriormente correntes obsoletos.
Sou profundamente grato também a minha esposa Tania e minha filha Liese pela dedicação e paciência com que sempre revisaram as minhas traduções e compilações e aos inúmeros amigos bahá’ís por seu incentivo.
Rolf von Czékus
1. A elocução de Deus é uma lâmpada cuja luz são estas palavras: Sois os frutos de uma só árvore e as folhas de um mesmo ramo. Consorciai‑vos com o máximo amor e harmonia, com amizade e solidariedade. Aquele que é o Sol da Verdade dá‑Me testemunho! Tão poderosa é a luz da unidade que pode iluminar a terra inteira. O Único e Verdadeiro Deus, Aquele que conhece todas as coisas, Ele próprio testemunha a verdade destas palavras.
6. Ó Filhos dos Homens!
Não sabeis por que Nós vos criamos a todos do mesmo pó? A fim de que ninguém se enaltecesse acima dos outros. Ponderai no coração, em todos os tempos, de que modo fostes criados. Já que vos criamos a todos da mesma substância, deveis ser como uma só alma, andando com os mesmos pés, alimentando‑vos com a mesma boca e habitando na mesma terra, a fim de que, do imo de vosso ser, através de vossas ações, se manifestem os sinais da unidade e a essência do desprendimento. É esse o Meu conselho a vós, ó assembléia da luz! Atendei a esse conselho, para que possais obter da árvore de glória maravilhosa, o fruto da santidade.
8. Se algumas diferenças surgirem entre vós, vede‑Me diante de vossa face e não olheis as faltas uns dos outros, por consideração a Meu Nome e como sinal de vosso amor por Minha Causa manifesta e resplendente. Em todos os tempos gostamos de vos ver associardes uns aos outros em amizade e concórdia dentro do paraíso de Meu beneplácito, e de inalar de vossos atos a fragrância da amizade e união, da benevolência e do amor fraternal. Assim vos aconselha o Onisciente, o Fiel. Estaremos sempre convosco; se inalarmos o perfume de vosso espírito fraternal, Nosso coração certamente se regozijará, pois nada, a não ser isto, Nos pode satisfazer. Disto dá testemunho todo homem de verdadeira compreensão.
9. Ó povos e raças da terra que estais em contenda! Volvei vossas faces à unidade e deixai brilhar sobre vós o esplendor de sua luz. Uni-vos e por amor a Deus resolvei extirpar qualquer coisa que motive contenda entre vós. Então a fulgência do grande Luminar do mundo envolverá toda a terra, e seus habitantes haverão de se tornar os cidadãos de uma só cidade e os ocupantes de um mesmo trono.
10. É homem, verdadeiramente, quem hoje se dedica ao serviço da humanidade inteira. Diz o Grande Ser: Bem‑aventurado e feliz é aquele que se levanta para promover os melhores interesses dos povos e raças da terra. Em outra passagem Ele proclamou: Que não se vanglorie quem ama seu próprio país, mas sim, quem ama o mundo inteiro. A terra é apenas um país, e o gênero humano, seus cidadãos.
11. E entre os domínios da unidade está a unidade de grau e posição. Ela resulta em exaltação da Causa, glorificando‑a entre todos os povos. Desde que a busca de primazia e distinção entrou em ação, o mundo tem sido devastado. Ele tem se tornado um lugar desolado. Aqueles que têm sorvido do oceano da elocução divina e fixado o seu olhar no Domínio da Glória devem se considerar como estando no mesmo nível dos outros e na mesma posição. Se esta questão fosse definitivamente estabelecida e conclusivamente demonstrada através do poder e grandeza de Deus, o mundo tornar‑se‑ia como o Paraíso de Abhá.
Em verdade, o homem é nobre, uma vez que cada um é um repositório do sinal de Deus. Não obstante, considerar‑se superior em conhecimento, estudo ou virtude, ou exaltar‑se ou desejar preferência, é uma grave transgressão. Grande é a bem-aventurança daqueles que são adornados com o ornamento desta unidade e têm sido graciosamente confirmados por Deus.
14. Deus não faz distinção alguma entre branco e preto. Se os corações são puros, ambos Lhe são aceitáveis. Deus não discrimina entre pessoas por causa de cor ou raça. Todos as cores Lhe são aceitáveis, sejam brancos pretos ou amarelos. Desde que todos foram criados à imagem de Deus, devemos vir a compreender que todos incorporam possibilidades divinas.
17. Segundo a estima de Deus não há distinção de cor; são todos iguais na cor e beleza do serviço a Ele. A cor não é importante; o coração é de suma importância. Não importa o que seja o exterior, se o coração dentro é puro e alvo. Deus não vê as diferenças de tonalidade e pele. Ele olha para os corações. Aquele cuja moral e cujas virtudes são louváveis é preferido na presença de Deus - aquele que é devotado ao Reino é o mais amado. No domínio da gênese, da criação, a questão de cor é da mínima importância.
18. Por todo o reino animal não achamos as criaturas separadas por causa de cor. Elas reconhecem unidade de espécie, unidade de gênero. Se não encontramos distinção de cor feita num reino de inteligência e raciocínio inferior, como pode ser justificada entre seres humanos, especialmente quando sabemos que todos vieram da mesma origem e pertencem à mesma família? Em sua origem e segundo o plano da criação, a humanidade é uma só. Distinções de raça e cor surgiram depois.
20. Uma das questões importantes que afetam a unidade e a solidariedade do gênero humano, é a da camaradagem e igualdade entre a raça branca e a negra. Entre estas duas raças existem certos pontos comuns e pontos de distinção que justificam mútua e devida consideração. Os pontos de contato são muitos… Nesse país, os Estados Unidos da América, o patriotismo é comum a ambas as raças; todos têm direitos iguais de cidadania, falam o mesmo idioma, recebem as bênçãos da mesma civilização e seguem os preceitos da mesma religião. De fato, há numerosos pontos de união e harmonia entre as duas raças, ao passo que o único de distinção é o de cor. Será permitido que esta, a menor de todas as distinções, vos separe como raças e indivíduos?
24. No mundo da existência, quando a raça branca e a negra se reúnem com infinito amor espiritual e harmonia sublime, é uma reunião abençoada. Quando tais reuniões são estabelecidas e os participantes associam‑se um ao outro com perfeito amor, unidade e benevolência, os anjos do Reino tecem‑lhes elogios e a Beleza de Abhá assim se lhes dirige: ‘Bem‑aventurados sois! Bem aventurado sois!’
26. Esforçai‑vos zelosamente e envidai‑vos ao máximo em consumar essa camaradagem e em cimentar esse laço de fraternidade entre vós. Não será possível atingir isso sem vontade e esforço por parte de ambas; de uma, expressões de gratidão e apreciação; da outra, benevolência e reconhecimento de igualdade. Cada raça deve fazer esforços para desenvolver e ajudar a outra, a fim de que haja progresso mútuo… Amor e unidade serão promovidos entre vós, efetivando assim a unidade do gênero humano. Pois a consumação da unidade entre os negros e brancos haverá de assegurar a paz do mundo.
27. É minha esperança que façais com que aquela raça espezinhada se torne gloriosa e seja unida com a raça branca, servindo ao mundo humano com a máxima sinceridade, fidelidade, amor e pureza. Essa oposição, inimizade e preconceito entre a raça branca e a negra não podem ser apagados, a não ser através da fé, da certeza e dos ensinamentos da Abençoada Beleza.
30. Quanto a … e … , verdadeiramente as faces destes são como a pupila dos olhos; ainda que a pupila do olho seja criada preta é ela a fonte de luz. Espero que Deus venha a tornar estes negros a glória dos brancos e como os depositários das luzes do amor de Deus. E peço a Deus para ajudá‑los sob todas as circunstâncias, para que possam ser abarcados pelos favores de seu Amoroso Senhor através dos séculos e eras.
31. Esforçai‑vos de coração e alma a fim de causar união e harmonia entre os brancos e negros e assim provar a unidade do mundo bahá’í ‑ onde não há lugar para distinção de cor, onde somente os corações são levados em conta. Louvado seja Deus! Os corações dos amigos estão ligados e unidos, quer sejam eles do leste, quer do oeste, do norte ou do sul; sejam alemães, franceses, japoneses ou americanos; sejam pertencentes à raça branca, à negra, à vermelha, à amarela ou à parda. Variações de cor, de país e de raça não têm nenhuma importância na Fé Bahá’í; ao contrário, a unidade bahá’í sobrepuja todas elas e elimina todas essas fantasias e imaginações.
32. Ó tu que tens coração iluminado! És, assim como a pupila do olho, o verdadeiro manancial da luz, pois o amor de Deus lançou seus raios sobre o âmago de teu ser, e volveste a face para o Reino de teu Senhor.
Intenso é o ódio, na América, entre negros e brancos, mas minha esperança é que o poder do Reino una‑os em amizade, servindo‑lhes como bálsamo.
33. O tu, venerada serva de Deus! Tua carta de Los Angeles foi recebida. Agradece à divina Providência por teres sido ajudada a servir, e por teres sido a causa da promoção da unidade do mundo humano, para que as trevas das diferenças entre os homens possam ser dissipadas, e o pavilhão da unidade das nações estenda sua sombra sobre todas as regiões. Sem essa unidade, são inatingíveis o sossego e o conforto, a paz e a reconciliação universal. Este século iluminado requer tal realização e necessita dela. Em cada século um tema específico e central é, de acordo com as exigências desse século, confirmado por Deus. Nesta era iluminada, o que Deus sanciona é a unidade do mundo humano. Cada alma que promove essa unidade será, sem a menor dúvida, amparada e confirmada.
34. Ó tu que tens coração puro, espírito santificado, caráter incomparável e belo semblante. Tua fotografia foi recebida, e revelou tua forma física na maior beleza e melhor das aparências. Tens o semblante escuro e o caráter iluminado. És semelhante à pupila do olho, que tem cor escura mas é a fonte de luz, e é aquela que revela o mundo contingente.
Não me esqueci de ti, nem me esquecerei. Suplico a Deus para que Ele, benevolamente, de ti faça o sinal de Sua bondade entre o gênero humano, ilumine tua face com a luz daquelas bênçãos que são concedidas pelo Senhor Misericordioso, e te eleja para Seu amor nesta era que se destaca entre todas as eras e todos os séculos passados.
35. …Os brancos e os negros, os das diversas classes sociais, os jovens e velhos, quer recém-convertidos para a Fé ou não ‑ todos os que com ela se identificam, devem participar e prestar seu auxílio, cada um de acordo com sua capacidade, sua experiência e suas oportunidades, à tarefa comum de cumprir as instruções, realizar as esperanças e seguir o exemplo de ‘Abdu’l‑Bahá. Quer negra ou não, nenhuma raça tem o direito, nem pode, conscientemente, ter a pretensão de se considerar absolvida de tal obrigação, ou de haver realizado tais esperanças ou seguido fielmente tal exemplo. Uma estrada longa e espinhosa, assediada de armadilhas, ainda tem de ser percorrida tanto como pelos expoentes brancos da Fé redentora de Bahá’u’lláh, como também pelos negros.
36 Se há alguma discriminação que deva ser tolerada, não deveria ser contra, mas sim, a favor da minoria, seja racial ou outra. Diferente das nações e povos da Terra ‑ quer sejam do Oriente ou do Ocidente, democráticos ou autoritários, comunistas ou capitalistas, pertencentes ao Velho Mundo ou ao Novo ‑ os quais ou desatendem ou espezinham ou extirpam as minorias, quer racial, religiosa ou política, dentro da esfera de sua jurisdição, toda comunidade organizada alistada sob o estandarte de Bahá’u’lláh deve considerar que é sua primeira e inescapável obrigação nutrir, encorajar e salvaguardar toda minoria pertencente a qualquer fé, raça, classe ou nação em seu seio. Tão grande e vital é este princípio que, em tais circunstâncias, como no caso de um número igual de votos haver sido dado em uma eleição, ou de as qualificações para qualquer posto estarem equilibradas entre as raças, fés ou nacionalidades dentro da comunidade, a prioridade deve ser concedida, sem hesitação, ao grupo que representa a minoria, e isto não por outro motivo senão o de estimulá‑la e encorajá‑la e dar‑lhe uma oportunidade para promover os interesses da comunidade.
37. É mister que os brancos façam um esforço supremo, em sua resolução de contribuir com a sua parte na solução deste problema, para abandonarem, de uma vez por todas, seu senso de superioridade ‑ que é usualmente inerente e às vezes subconsciente ‑ corrigirem sua tendência de mostrar uma atitude condescendente para com os membros de outra raça e, através de sua associação com eles ‑ íntima, espontânea e informal ‑ os persuadirem de que sua amizade é genuína e suas intenções são sinceras. Devem fazer um esforço, também, para dominarem sua impaciência por causa de qualquer falta de receptividade por parte de um povo, ao qual, durante um período tão longo, se tem infligido feridas tão severas e tão difíceis de serem sanadas.
38. Que os negros, com um esforço incomensurável da sua parte, mostrem, por todos os meios a seu alcance, seu caloroso desejo de corresponder, sua disposição para esquecerem o passado e apagarem todo traço de suspeita que talvez persista ainda em seus corações e mentes. Que nenhuma das duas (raças) pense ser a solução de tão vasto problema uma questão que afete exclusivamente a outra. Que nenhuma delas pense que este problema possa ser resolvido fácil ou imediatamente. Que nenhuma pense que pode aguardar tranqüilamente a solução desse problema até que outros, fora da órbita de sua Fé, tenham tomado a iniciativa e criado às circunstâncias propícias.
39. Mesmo um serviçal da Sra. Hearst, um negro de nome Robert Turner, o primeiro de sua raça a abraçar a Causa de Bahá’u’lláh no Ocidente, ficou arrebatado pela influência exercida por ‘Abdu’l‑Bahá no decurso daquela peregrinação histórica. A tenacidade de sua fé era tal, que nem mesmo o subseqüente abandono da Causa ‑ tão espontaneamente abraçada ‑ por parte da estimada pessoa a quem servia, pôde empanar‑lhe o esplendor, ou diminuir a intensidade das emoções que a bondade repassada de amor, prodigalizada a ele por ‘Abdu’l‑Bahá, despertara em seu peito.