Epístola ao Filho do Lobo
Category: Bahá’í
5:40 h
EDITORA BAHÁ’Í DO BRASIL Caixa Postal 198 13800-000 Moji-Mirim, SP Título original: Epistle to the Son of the Wolf Traduzida para o inglês por Shoghi Effendi

Epístola ao Filho do Lobo

Introdução

Marzieh Gail, 1953

“Eu caminhava na Terra de Ta (Teerã)– o alvorecer dos sinais de teu Senhor– quando eis que ouvi o lamento dos púlpitos e a voz de suas súplicas a Deus, abençoado e glorificado seja Ele. Lamentando-se, diziam: ‘Ó Deus do mundo e Senhor das nações! Tu observas nossa condição e as coisas que nos ocorreram…”

Nós, os dois bilhões de pessoas atualmente no planeta, estamos vivendo em uma época na qual não só os púlpitos de todas as religiões como tudo o mais devem estar nos condenando, cada um naquela voz que, de acordo com o Alcorão, Deus conferiu a todas as coisas: “Foi Deus que nos fez falar. Ele faz falar todas as coisas…”(41:21). Nós, que matamos cerca de quarenta e cinco milhões de seres humanos nos últimos trinta e cinco anos, estranhos que sequer conhecíamos pelo nome. Nós, que negamos nossa diferença qualitativa dos animais e tentamos viver no mundo deles, uma tentativa que se mostrou tão bem-sucedida quanto o seria um animal transformar-se em árvore ou a árvore ser uma pedra. Nós, que passamos nosso tempo inventando elaboradas desculpas para justificar nosso modo de ser, que sempre jogamos a culpa sobre alguém, que sempre queremos que alguém nos salve.

Não é de surpreender que Bahá’u’lláh, o nobre persa que declarou Sua missão espiritual em 1863, tivesse dito também: “…caminhais sobre Minha terra complacentes e satisfeitos, desatentos ao fato de que Minha terra está cansada de vós e tudo nela se esquiva de vós.“

Ao mesmo tempo, ansiamos por felicidade e depois a rejeitamos quando ela nos é trazida. Pois a felicidade, para o ser humano, significa ser tirado do cego mundo físico para a vida consciente do espírito, e isso só pode ser feito pelo Profeta de Deus. Em Seu advento, nós O combatemos e Lhe resistimos, seja Ele Moisés ou Buda, Jesus ou Maomé, ou Bahá’u’lláh.

O homem está mostrando por seus atos que perdeu Deus e, em conseqüência, perdeu a si mesmo. “E não imiteis os que se esquecem de Deus: Deus os faz esquecerem-se de si mesmos”, alerta o Alcorão (59:19). O homem está confuso- perdido em um deserto. Precisa reencontrar o sentido do Universo, e esse sentido é Deus, tal como expresso pelo Profeta; ele então redescobrirá seu próprio eu, reflexo do sentido; ele então terá um modo de viver condizente com os fatos e o seguirá conscientemente.

Neste livro faz-se referência a um rapaz de dezessete anos. Era um jovem problemático e seu pai estava preocupado com ele. Foi então que Bahá’u’lláh, aprisionado no quartel de ‘Akká, o chamou. Após conversarem, o rapaz, sozinho e a pé, levou para a Pérsia a Epístola de Bahá’u’lláh ao Xá. Chegou à capital depois de uma viagem de quatro meses; jejuou, orou e esperou sobre uma rocha até ver o Xá e seu séquito indo caçar na direção das aldeias montanhosas ao norte de Teerã. Aproximou-se deles e declarou, em árabe: “Ó Rei! Venho a ti de Sabá com uma notícia segura.”(Foi isso que a poupa disse a Salomão após Ter visto Belquis em seu trono dourado; Alcorão,(27:22). A Epístola foi tirada de suas mãos e entregue aos sacerdotes. Eles a leram e recomendaram que o rapaz fosse morto. Os carrascos o feriram com ferros em brasa durante três dias; uma fotografia, tirada dele sob tortura, ainda existe. Depois esmagaram sua cabeça com a corona de um rifle e atiraram seu corpo num fosso.

Bahá’u’lláh escreveu em uma Epístola ao pai desse rapaz, o Hadji ‘Abdu’l-Majid, que mais tarde sofreria o martírio em Khurásán: “Pensas que ele está morto? Não, pelo Revelador dos Sinais! Através dele o espírito da vida alegremente se move nos corações do universo.” Na mesma Epístola, Bahá’u’lláh diz que, em Badi, “o espírito de força e poder soprou”; que ele foi recriado; que ele sorriu e “se Nós o houvéssemos ordenado, ele teria tudo dominado nos céus e sobre a terra.” Que “a alegria o alcançou” e ele foi para a morte “com poder e autoridade, avançando com tamanha força que conquistou a Suprema Assembléia e os habitantes das Cidades dos Nomes.”

O ponto em questão é que Badi foi recriado. Em terminologia bíblica, ele renasceu. Ele viu a verdade e morreu em sacrifício a ela. Aqueles que hoje acreditaram em Bahá’u’lláh raramente são chamados a unir-se às fileiras dos mais de 20.000 fiéis que deram suas vidas no Período Heróico de Sua Causa– aqueles que, como afirma o presente texto, “depuseram a preciosa coroa da vida em nome d’Aquele que é o Amigo Incomparável”. Mas hoje são repetidamente obrigados a pôr de lado seus próprios desejos e aversões, a disciplinar sua conduta, a alcançar uma vitória sobre si mesmos– um processo mais longo, menos espetacular e talvez mais doloroso que o martírio.

É somente através deste processo que o planeta poderá tornar-se mais uma vez habitável: os seres humanos, motivados pelo amor, começariam voluntariamente agir de um modo que fosse digno da natureza do homem. Bahá’u’lláh escreve em Palavras Ocultas: “Eu te criei rico; por que tu te empobreces? Nobre te fiz; por que te rebaixas?“

1.

O mundo pensante alcançou, agora, os ensinamentos básicos que Bahá’u’lláh (1817-1892) enunciou há mais de setenta anos. Hoje, nenhuma mente esclarecida poderia discordar de princípios fundamentais de Bahá’u’lláh tais como:

*“A unidade e totalidade da raça humana”– Este é o mais vital de todos os princípios, e seu estabelecimento é o propósito central da Fé Bahá’í. A unificação da humanidade, diz Bahá’u’lláh, é inevitável e marca o último estágio da evolução do homem rumo à maturidade.
* Serviço à humanidade– o mais digno de todos os esforços.
* A religião, “principal instrumento para se estabelecer a ordem no mundo”, deve ser ensinada às crianças em todas as escolas de modo a não produzir fanatismos nem preconceitos. Todas as religiões são essencialmente uma, diferindo em seus aspectos externos somente por terem surgido em diferentes períodos da História e, assim, dirigindo-se a situações diferentes.
* A reconciliação entre religião e ciência, que são as duas forças mais poderosas na vida humana.
* Educação disponível para todos.
* Oportunidades iguais para ambos os sexos; igualdade para as mulheres está diretamente ligada à paz mundial.
* Um sistema federativo mundial, redução nos armamentos nacionais, segurança coletiva.
* A adoção de uma língua e escrita auxiliar internacional.
* Trabalho para todos.

Bahá’u’lláh afirma que a justiça é “a mais amada de todas as coisas” e que seu advento é inevitável. Que a consulta, franca e livre, é “a outorgante da compreensão” e o alicerce de Sua Ordem. Que a aquisição de conhecimentos compete a cada um, sendo louvadas as “artes, ofícios e ciências”. Que a riqueza obtida através dos ofícios e profissões é digna de louvor. Que a pobreza irá desaparecer, assim como a riqueza exorbitante. Que os fidedignos da “Casa de Justiça” devem legislar sobre todos os assuntos não expressamente apresentados nos escritos bahá’ís (este órgão internacional Bahá’í tem poderes para revogar suas leis anteriores e incorporar a seu mecanismo tudo aquilo que for considerado necessário para manter a Fé “na vanguarda de todos os movimentos progressistas”). Um governo constitucional, combinando “os ideais do republicanismo e a majestade da monarquia”, é recomendado. A agricultura deve receber atenção especial. A imprensa é louvada especificamente, sendo os jornais descritos como “o espelho do mundo” e as pessoas por eles responsáveis aconselhadas a se libertarem de “malícia, paixão e preconceito, serem justas e imparciais, terem o máximo cuidado em suas investigações e levantarem todos os fatos de cada situação”. Bahá’u’lláh volta a enfatizar a proibição de fazer guerra santa e destruir livros; exige de Seus seguidores obediência ao governo do país onde vivem; e destaca, para louvor especial, indivíduos de estudo e sabedoria a quem descreve como “os olhos” do corpo da humanidade.

O que o mundo ainda não percebeu é que a ordem mundial projetada por Bahá’u’lláh tem a capacidade de agir para o reconhecimento universal de um só Deus, de “recriar a sociedade”. A comunidade mundial é Sua preocupação primeira. No passado, a religião muitas vezes conseguiu produzir o bom indivíduo. O objetivo básico da religião de Bahá’u’lláh é produzir a boa sociedade. Seu sistema administrativo oferece, acreditam os bahá’ís, o único arranjo satisfatório entre indivíduo e comunidade, entre livre-arbítrio e autoridade, equilibrando as prerrogativas de cada um deles.

Esse equilíbrio terá de ser criado se a humanidade pretende desenvolver uma era de paz. Vimos o Estado ditatorial oprimindo o indivíduo e vimos a lei do linchamento aviltando o grupo. Esta questão tem sido debatida ao longo dos tempos. Rúmi, o místico, pede a Deus para libertá-lo de seu livre-arbítrio– um fardo recusado, diz ele, pelos céus e pelos próprios anjos e só aceito pelo homem; ele se compara a um camelo ferido pela carga, cujo alforje se inclina ora para um lado ora para o outro, e pede que a carga mal equilibrada seja tirada de suas costas e que, em vez disso, ele seja jogado de um lado para outro como uma bola de polo. Contrastando com essa visão o modo de viver na Genebra de Calvino, onde, de acordo com as leis que regulavam as estalagens, a ninguém era permitido “ficar acordado depois das nove da noite, exceto aos espiões.”

Quando o equilíbrio entre a pessoa e a sociedade finalmente predominar, saberemos que o homem começou sua maturidade. Está claro que tanto o indivíduo quanto o grupo terão de desistir de parte do que agora possuem, assim como as nações terão de renunciar à parte de sua atual soberania em favor da Comunidade mundial, mas isso não se mostrará mais difícil do que sacrificar a isca para pescar o peixe.

2.

Esta é uma religião mundial à altura do mundo novo. Ela não tem sacerdotes; não aceita doações exceto de fiéis registrados. Ela resolveu problemas de sucessão, administração e cisma, fatores que praticamente destruíram, quase ainda no nascedouro, a unidade de todas as fés anteriores. Neste caso, o próprio Bahá’u’lláh, o Fundador, designou em Seu Convênio escrito que Seu primogênito, ‘Abdu’l-Bahá, seria Seu Sucessor e Intérprete autorizado. ‘Abdu’l-Bahá, em Sua Última Vontade e Testamento, indicou como Guardião e Intérprete Seu neto Shoghi Effendi. Este, por sua vez, indicará o próximo Guardião, cuja nomeação por escrito deverá ser ratificada pelos votos de um conselho de “Mãos da Causa”.* As instituições democraticamente eleitas que, em conjunto com o Guardião, administram a Fé, foram do mesmo modo estipuladas nos Escritos do Fundador. A tarefa atual dos bahá’ís no mundo todo tem duas facetas: uma envolve a consolidação dos estudos dos Ensinamentos e a prática de um modo de viver bahá’í; a outra, a expansão da Fé– apresentando a Fé Bahá’í ao público, para livre exame. Comunidades bahá’ís são hoje encontradas em mais de cem países ao redor do globo.

*Antes de falecer, em 1957, Shoghi Effendi, indicou vinte e sete Mãos da Causa de Deus, encarregadas da propagação e proteção da Fé. Graças aos seus esforços, em abril de 1963 realizou-se a eleição da primeira Casa Universal de Justiça. Naquela ocasião, esta instituição administrativa suprema da Fé Bahá’í foi eleita pelos cinqüenta e seis órgãos administrativos nacionais existentes, de acordo com as instruções dos Escritos de Bahá’u’lláh. Através de uma série de planos globais de ensino, iniciada em 1953, a Fé se difundiu para mais de 300 países, ilhas e territórios.(Nota dos Editores, 1969, para a edição original em língua inglesa.)

O estudo dos Escritos é ocupação para toda uma vida. Embora os princípios da Fé sejam prontamente apreendidos, os Ensinamentos são vastos e desvendam novos horizontes à medida que se desenvolve a experiência do indivíduo. Está longe de ser verdade que todos os bahá’ís são intelectuais– há comunidades de aldeões persas, mas é certo que os Ensinamentos em si e o esforço para apresentá-los ao público agem como forte incentivo para aquisição de conhecimentos diversificados. ‘Abdu’l-Bahá escreve, “O domínio dos reis tem um fim… mas a soberania da ciência é eterna…” e também, “Todas as bênçãos são divinas em sua origem, mas nenhuma pode ser comparada a este poder de investigação intelectual e pesquisa que é uma dádiva eterna, produzindo frutos de imorredouro prazer… Todas as outras bênçãos são temporárias; esta é uma posse eterna”.

3.

Bahá’u’lláh, escreveu uma centena de livros. Eles consistem em leis, princípios e exortações; avisos e profecias; preces e na proclamação de Sua missão a reis, ministros e eclesiásticos a líderes nos campos intelectual, político, literário, místico, empresarial e humanitário. Sua última grande Epístola é este presente livro. Ela foi revelada cerca de um ano antes de Sua morte em 1892.

Mais ou menos três após esta Epístola estar concluída, Bahá’u’lláh expressou Sua vontade de deixar este mundo. Nessa época Ele vivia na Mansão de Bahjí, nos arredores de ‘Akká, ainda como exilado e prisioneiro, tal como estivera nos últimos quarenta anos através do Oriente Médio. A partir daquele momento, tornou-se claro pelo tom de Suas observações embora Ele não fizesse qualquer referência direta, que o fim de Sua vida terrena se aproximava. Anos antes, Ele descrevera na Epístola da Visão (revelada no aniversário de Seu Precursor e Arauto, o martirizado Báb) como a “Donzela Luminosa”, envolta em branco, aparecera diante d’Ele e O instara a apressar-Se a Seus “outros domínios”, domínios esses “que os olhos do povo dos nomes jamais contemplaram”. E poucos meses se passaram até que, após breve enfermidade, Ele morreu ao amanhecer do dia 29 de maio de 1892, com setenta e cinco anos idade.

E então o famoso telegrama foi enviado ao Sultão ‘Abdu’l-Hamíd, de quem Ele fora prisioneiro. Começava com estas palavras: “O Sol de Bahá se pôs”. E os pranteadores de ‘Akká e das aldeias vizinhas cobriram os campos em volta da Mansão, e notáveis das comunidades xiitas e sunitas, cristãs, judaicas, e drusas, poetas, religiosos e oficiais, de cidades tão longínquas como Damasco, Alepo, Beirute e Cairo, enviaram por escrito seus tributos a Ele; e Nabíl, o historiador desconsolado afogou-se no Mar Mediterrâneo.

A Epístola ao Filho do Lobo tem, portanto, um lugar especial na hierarquia dos livros de Bahá’u’lláh. É o últimos deles. É, além disso, uma espécie de antologia, e antologia de valor todo especial pois o material foi selecionado pelo próprio Autor. Ela inclui alguns dos mais conhecidos e característicos de Seus escritos, bem como provas que estabelecem a validade de Sua Causa.

4.

Havia dois irmãos em Isfahán, homens de riqueza, amplamente conhecidos por sua filantropia e pela excelência de seu caráter. O sumo-sacerdote, Mir Muhammad-Husayn, o religioso que tinha como função recitar as preces na mesquita às sextas-feiras, devia-lhes uma grande soma de dinheiro. Para fugir à dívida, denunciou-os como seguidores do Báb. Ele sabia exatamente o que isso significava: suas belas casa foram de imediato entregues à multidão e saqueadas, e mesmo as árvores e flores de seus jardins foram destruídas. Tudo o que os dois possuíam lhes foi tomado. E então o Xeique Muhammad-Báqir, a quem Bahá’u’lláh chama “O Lobo”, pronunciou as sentenças de morte. O Príncipe-governador, Zillu’s-Sultán, filho mais velho do Xá, ratificou-as. Os dois irmãos foram acorrentados. Tiveram a cabeça decepada. Seus corpos foram arrastados até a grande praça pública da cidade e ali expostos a todas as indignidades que a multidão lhes podia infligir.” De tal modo”, escreveu ‘Abdu’l-Bahá, “foi o sangue desses dois irmãos derramados que o sacerdote cristão de Julfa pranteou, lamentou-se e chorou naquele dia.”

Depois disso, “O Lobo”– a quem Bahá’u’lláh condenou em Sua Lawh-i-Burhán (“Epístola da Prova”) e chamou de “o último traço de luz solar sobre o topo da montanha”– viu o firme declínio de seu prestígio e morreu miseravelmente, em agudo remorso. Quanto a seu cúmplice Mir Muhammad-Husayn, Bahá’u’lláh o estigmatizou como “A Serpente” e declarou que ele era “infinitamente mais perverso que o opressor de Karbilá”. Esse homem foi expulso de Isfahán, perambulou de aldeia em aldeia e finalmente adoeceu e morreu de uma doença tão fétida que a própria esposa e a filha não conseguiram cuidar dele.

Anos mais tarde o Governador, Zillu’s-Sultán, foi exilado para Genebra. Em 1911, quando ‘Abdu’l-Bahá estava em Thonon, hospedado no Hotel du Parc, Zillu’s-Sultán lá chegou. Hippolyte Dreyfus, ilustre erudito e viajante, o primeiro bahá’í

francês, o conhecera na Pérsia e o visitara em sua tenda quando o príncipe fazia uma expedição de caça. Agora voltava a vê-lo, no terraço do hotel. Monsieur Dreyfus descreveu o encontro para Juliet Thompson, que chegou no dia seguinte, e ela o anotou em seu diário:

Também o Mestre estava no terraço, caminhando de um lado para outro, a pouca distância. Hippolyte encontrava-se junto à soleira da porta quando viu Zillu’s-Sultán subindo a escadaria. O príncipe aproximou-se e o cumprimentou, e então volveu um olhar espantado na direção do Mestre.

“-Quem é aquele nobre persa?, perguntou. “-Aquele, respondeu Hippolyte, é ‘Abdu’l-Bahá. “E então Zillu’s-Sultán suplicou, com toda humildade: “-Leve-me até Ele.
“Hippolyte contou-me tudo. “-Se você tivesse visto aquele irracional, Juliet, murmurando suas miseráveis desculpas! Mas o Mestre tomou-o em Seus braços e disse:
“Todas essas coisas ficaram no passado. Nunca mais volte a pensar nelas.”

Os dois irmãos que foram condenados à morte pelo “Lobo” e seu cúmplice são conhecidos pelos bahá’ís como O Rei dos Mártires e O Bem-Amado dos Mártires. Também se faz referência a eles como As Luminosas Luzes Gêmeas. Seus nomes eram Mirzá Muhammad-Hasan e Mirzá Muhammad-Husayn, e eles eram siyyids– descendentes do Profeta Maomé. Anos mais tarde um elo especial viria a ligá-los ao Ocidente: em 1933, a norte americana Keith Ransom-Kehler, representando a Assembléia Nacional dos Bahá’ís de seu país, visitou seus túmulos e neles depositou flores. Poucos dias depois ela contraiu varíola e morreu. Seu corpo foi trazido de volta e enterrado perto do túmulo deles.

Esta Epístola é endereçada ao filho do homem que assassinou as Luminosas Luzes Gêmeas: o “Filho do Lobo”. Ele se chamava Xeique Muhammad Taqíy-i-Najafi. Religioso muçulmano de Isfahán, ele e seus discípulos chutaram e pisaram o cadáver de Mírzá Ashraf, outro bahá’í que, em 1888, foi morto por ordem dos mulás daquela cidade. Esta Epístola freqüentemente se dirige a ele como “Ó Xeique”– título que denota um chefe, prelado ou homem de saber. Outras pessoas também são invocadas no decorrer da obra; ela se dirige ao povo do Bayán– os seguidores do Báb que deixaram de reconhecer Bahá’u’lláh, fazendo lembrar aqueles seguidores de João Batista que se recusaram a reconhecer Jesus Cristo. E a Hádi, um líder religioso que teve medo de perder sua posição ao ser chamado de discípulo do Báb e tentou destruir todas as cópias do Bayán, o grande livro do Báb. E ao próprio Lobo, citando passagens da “Epístola da Prova”, e à Rainha Vitória, Napoleão III e outros, em diversas citações. Embora a Epístola, dirija-se basicamente ao Filho do Lobo, este até parece quase incidental; na verdade, Bahá’u’lláh está falando além dele a toda a humanidade.

Parte da terminologia será familiar apenas aos estudantes do islamismo, pois a Fé Bahá’í nasce do Islã tal como o cristianismo nasce do judaísmo. Por exemplo, o verso árabe, na página 35, contrapõe o Santuário (Haram), o local sagrado onde nenhum sangue pode ser derramado, ao local fora do Santuário (Hill), onde o derramamento de sangue não é ilegal, e se refere à disposição de Bahá’u’lláh de sacrificar Sua vida em qualquer lugar e sob quaisquer condições. Ou as referências ao Sadratu’l-Muntahá– a “Sagrada Árvore Celestial”, a “Árvore Sidrah, que da qual nem homens nem anjos podem passar”, e que fica no Sétimo Céu, o mais alto Paraíso, à direita do Trono de Deus. Referências a ela ocorrem no Alcorão, obliquamente na surra 53:9 e diretamente na sura 53:14, e as duas visões ali descritas são tradicionalmente relacionadas com a Visão da Ascensão, ou Mí-ráf, de Maomé (ver sura 17:1). Nos escritos bahá’ís, esta Árvore simboliza o Profeta ou Manifestação de Deus.

O Livro-Mater é referindo no Alcorão 43:3. Rodwell o traduz como o “o livro arquetípico” e comenta, “a Matriz do Livro, isto é, o original do Alcorão, preservado junto a Deus”. Sale diz, “a Tábua preservada, que é o original de todas as Escrituras em geral”. Para os bahá’ís, o Livro-Mater, ou Epístola Preservada, ou Epístola Guardada, significa a Palavra de Deus, a Manifestação de Deus em cada era, ou Seu Livro.

A Sura de Tawhid, chamada “A Unicidade”, é a sura 112 do Alcorão.

“Nome” às vezes significa o Profeta ou Manifestação de Deus. Na página 66 lemos: “Não sejas dos que invocaram a Deus por um de Seus nomes, mas que, ao aparecer Aquele que é o Objeto de todos os nomes, O negaram e d’Ele se afastaram…

A Mesquita de Aqsá é o Templo que é “mais remoto”. Foi construída no local do Templo de Salomão em Jerusalém.

Na página 78 há um jugo de palavras. O mártir exclama que conservou tanto Bahá’u’lláh quanto o resgate do sangue; Bahá, em árabe, significa “glória”, em persa, “valor”.

Balál (“grande”), crente em Maomé nos primórdios do Islã, era um escravo etíope. Cruelmente torturado pelos idólatras de Meca, recusou-se a renegar sua fé no Islã. Mais tarde foi libertado e, embora gaguejasse, Maomé designou-o primeiro-muezin. A referência na página 80 deve-se ao fato de que ele, devido à gagueira, pronunciava a letra “sh” como “s”.

“Remanescentes do Profeta”, na página 83, refere-se ao fato de que os irmãos martirizados eram descendentes de Maomé.

“Romper o Véu da Divindade”, na página 85, significa cometer um ato de sacrilégio, simbolizado pelo rasgar do véu do tabernáculo no qual estava a Shekinah– a Morada, a Glória de Deus, emblema da presença Divina, “Inutilizar a Camela” remete ao alcorão, suras 7:71, 11:67, 54:27 e outras. A Camela era um signo de Deus, a prova da missão do Profeta Sálih. Aqui, também faz-se referência a um ato de blasfêmia.

“Ismael”, na página 98, refere-se ao Alcorão 37:100. É o ensinamento muçulmano de que o “filho” que foi sacrificado era Ismael e não Isaac, pois o primeiro era o único filho de Abraão naquela época.(Ver Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh)

Os “versos referentes à Divina Presença”, mencionados na página 108 e em outras passagens, são numerosos no Alcorão. Estes, dentre eles:

Sura 39:69– “E a terra brilhará da luz (núr) de seu Senhor. E o Registro será aberto. Os profetas e as testemunhas serão chamados… E ninguém será lesado.”

Sura 89:22-23– “…quando a terra for reduzida a nada, nada, e teu Senhor e seus anjos chegarem, fila por fila…”

Sura 83:6– “No dia em que todos os homens se levantarão diante do Senhor dos mundos.”

Sura 20:107- 110– “Naquele dia, os homens seguirão o proclamador…e baixarão a vozes ante o Misericordioso, e não ouvirás senão cochichos… As fontes se inclinarão diante do Sempre-vivo…

“Rawdih-khání”, na página 113, é uma lamentação ritual pelo martirizado Imame Husayn. Com o novo Advento, o tempo de pesar se encerrava; como símbolo disso, Táhirih, a grande poeta que se converteu à Fé do Báb, recusou-se a vestir o tradicional luto por Husayn no aniversário de seu martírio, assim desafiando abertamente o povo de Karbilá.

Adrianópolis, na página 121, é Adirnih em árabe. Cada letra do alfabeto árabe tem um valor numérico (abjad) e, de acordo com essa notação, as palavras Adirnih e Sirr (Mistério) são equivalentes, pois as letras árabes que compõem cada uma delas totalizam 260.

A língua e escrita mencionadas na página 126 nunca foram comunicadas a ninguém por Bahá’u’lláh.

O Qayyúmu’l-Asmá, na página 126, é o Comentário do Báb à Sura de José; seu primeiro capítulo foi revelado na presença de Mulá Husayn, na noite em que o Báb declarou Sua missão em Shiráz, em 22 de maio de 1844. Bahá’u’lláh o menciona no Iqán como “o primeiro, o maior e o mais poderoso de todos os livros” da Dispensação Babí.

O “Grande Anúncio”, na página 129, refere-se ao Alcorão 78;1-2 e 38:67– Na-Nabáu’l-Azím.

“Ele faz da manhã trevas” (Amós 4:12-13), na página 131, refere-se ao fato de que Mírzá Yahyá, conhecido como Subh-i-Azal– o Amanhecer da Eternidade– negou a Manifestação e O traiu.

A afirmação “Ninguém conhece a hora…, na página 140, refuta os descrentes que alegavam que o Advento cuja iminência foi proclamada pelo Báb só ocorreria em 2001, uma data à qual se chegava totalizando o valor numérico das letras que compõem a palavra Mustagháth, indicada pelo Báb como o limite de tempo fixado para a vinda da Manifestação prometida. Mustagháth significa “Aquele que é Invocado”.

O martírio do Imame Husayn em Karbilá é descrito por Gibbon em Decline and Fall of the Roman Empire (Declínio e queda do Império Romano), Modern Library Edition, III, 12, 127. Dhi’l-Jawshan é Shimr, que matou Husayn, filho de ‘Ali e neto de Maomé.[141]

Ocean 2.0 Reader. Empty coverOcean 2.0 Reader. Book is closedOcean 2.0 Reader. FilterOcean 2.0 Reader. Compilation cover