O Segredo da Civilização Divina
Category: Bahá’í
3:09 h 112.2 mb
Título original em inglês: The Secret of Divine Civilization ¹ 2003 Todos os direitos em português reservados à: Editora Bahá’í do Brasil C.P. 1085 13800-973 – Mogi Mirim – SP
O Segredo da Civilização Divina

Introdução

Tratado de ‘Abdu’l-Bahá sobre “modernização” iraniana. Geralmente, em persa, refere-se a ele como Risáli-yi-madaniyyih (O Tratado sobre Civilização). Escrito em 1875, o trabalho foi litografado em Bombaim em 1882 e teve ampla circulação no Irã. Foi publicado anonimamente e não identificado como uma obra especificamente bahá’í presumivelmente para evitar leitores preconceituosos contra seu conteúdo. A primeira tradução inglesa foi publicada em 1910 em Londres como The Mysterious Forces of Civilization.

O primeiro impulso do argumento de ‘Abdu’l-Bahá é a urgente necessidade do Irã de adotar medidas de reforma baseadas em modelos do Ocidente. O Irã antigo foi um poderoso império, honrado por sua cultura e civilização. Por contraste, o país encontrava-se então em um estado miserável e degenerado, alvo de compadecimento dos outros pelo seu atraso. Injustiça e desgoverno haviam conduzido ao seu declínio. Os iranianos deviam erguer-se de seu torpor e resolver transformar seu país e suas instituições: promovendo EDUCAÇÃO (considerada como sendo de particular importância), indústria, comércio, tecnologia, artes e ciências; estabelecendo leis justas e protegendo os direitos de indivíduos de modo igualitário perante a lei; dando fim à corrupção e aos poderes absolutos de governantes locais, em particular seu poder de ministrar a pena de morte; fortalecendo as relações com outros países, incluindo as grandes potências e governos amigáveis; incrementando ligações comerciais e desenvolvendo recursos e infraestrutura nacionais; e fortalecendo as forças armadas, de modo que seus soldados fossem bem alojados e alimentados, seus oficiais bem treinados e seus armamentos atualizados. Outras nações haviam estado outrora como o Irã naquela época, mas através da adoção de tais medidas elas haviam progredido. Alguns iranianos objetavam que tais reformas envolviam a cópia das práticas de não-muçulmanos e não eram, por isso, islâmicas. Isto não era válido. Havia diversos precedentes islâmicos para a adoção de práticas estrangeiras, e diversos elementos da civilização europeia foram, em todo caso, derivados das raízes islâmicas durante o período medieval. Além disso, podia-se dar justificação alcorânica às reformas tais como a introdução de assembleias consultivas. Aqueles que se opunham à reforma responderiam perante Deus. O rápido progresso do Japão e os continuados atraso e enfraquecimento da China indicavam o contraste entre aquelas nações que modernizaram-se e aquelas que não o fizeram. No contexto do reformismo do século XIX no Oriente Médio, o livro é notável ao advogar o empréstimo do Ocidente enquanto ao mesmo tempo enfatizando o papel fundamental da RELIGIÃO. Intolerância religiosa e secularismo ocidental, ambos foram rejeitados. ‘Abdu’l-Bahá também enfatizou a importância de QUALIDADES ESPIRITUAIS, delineou as características requeridas de LÍDERES RELIGIOSOS e comentou sobre CIVILIZAÇÃO, GOVERNO, LEI, MISSÃO, PAZ E RIQUEZA.

Uma avaliação de como a obra foi recebida entre reformadores iranianos contemporâneos tem ainda que ser realizada. O livro foi escrito em um tempo em que parecia possível uma reforma do Irã Mirzá Husayn Khán era ainda politicamente influente e o Násiru’d-Dín havia acabado de fazer sua primeira visita à Europa (1873). O processo de reforma, entretanto, efetivamente se esgotou no final da década de 1870, e ‘Abdu’l-Bahá evidentemente decidiu não prosseguir em sua intenção original de escrever outros livros sobre temas relacionados especificamente a educação. À parte de seu contexto especificamente iraniano, o tratado pode ser visto como uma prescrição geral bahá’í para reformas de desenvolvimento em qualquer sociedade.

Peter Smith1 !. A Concise Encyclopedia of the Bahá’í Faith. Oneworld Publications, Oxford, Inglaterra. Ed. 2000, pp. 308-9.


EM NOME DE DEUS, O CLEMENTE, O MISERICORDIOSO

Louvor e agradecimento à Providência, pois dentre todas as realidades existentes Ele escolheu a realidade do homem e a honrou com intelecto e sabedoria, as duas luzes mais brilhantes em ambos os mundos. Por intermédio deste grande dom, Ele, a cada época, tem lançado novas e maravilhosas formas no espelho da criação. Se olharmos objetivamente para o mundo dos seres, tornar-se-á aparente que, de tempos em tempos, o templo da existência tem sido continuamente embelezado com suave graça e distinguido por um esplendor sempre mutante, originados da sabedoria e do poder do pensamento.

Este supremo emblema de Deus está em primeiro lugar na ordem da criação, tendo primazia sobre todas as coisas criadas. Testemunha disso é a Santa Tradição: “Antes de tudo, Deus criou a mente.” Desde o alvorecer da criação, ela foi feita para ser revelada no templo do homem.

Santificado seja o Senhor, Quem através dos raios deslumbrantes deste poder estranho, celestial, fez de nosso mundo de trevas a inveja dos mundos de luz: “E a Terra resplandecerá com a luz de seu Senhor.” Santo e excelso é Ele, Quem fez da natureza do homem a alvorada desta graça ilimitada: “O Clemente ensinou o Alcorão; criou o homem; e ensinou-lhe a eloquência.”

Ó vós que tendes mentes para saber! Levantai vossas mãos suplicantes ao paraíso do único Deus, e humilhai-vos e sede modestos diante d’Ele, e agradecei-Lhe por esta graça suprema, e Lhe implorai que nos socorra até que, na presente época, impulsos divinos possam irradiar da consciência da humanidade, e este fogo divinamente aceso, que foi confiado ao coração humano, nunca se possa extinguir.

Considerai cuidadosamente: todos estes fenômenos altamente variados, estes conceitos, este conhecimento, estes procedimentos técnicos e sistemas filosóficos, estas ciências, artes, indústrias e inventos todos são emanações da mente humana. Qualquer pessoa que se aventurou mais profundamente neste ilimitado oceano conseguiu sobrepujar o restante. A felicidade e orgulho de uma nação consistem nisto, que ela deve brilhar como o sol no elevado paraíso do conhecimento. “Poderão, acaso, equiparar-se os sábios com os insipientes?” E a honra e distinção do indivíduo consistem nisto, que dentre todas as multidões do mundo ele deve tornar-se uma fonte de bem-estar social. Existe alguma graça concebível maior do que esta para um indivíduo que, olhando para dentro de si mesmo, deve descobrir que pela graça confirmadora de Deus ele tornou-se a causa de paz e bem-estar, de alegria e favor ao seu semelhante? Não, pelo Deus único e verdadeiro, não existe maior bem-aventurança, nem mais completo deleite.


Por quanto tempo flutuaremos nas asas da paixão e do desejo vão; por quanto tempo despenderemos nossos dias como bárbaros nas profundezas da ignorância e da abominação? Deus nos deu olhos para podermos olhar o mundo ao nosso redor e nos segurarmos a tudo o que fará avançar a civilização e as artes. Ele nos deu ouvidos para podermos ouvir e aprender com a sabedoria dos eruditos e filósofos e nos levantarmos para promovê-la e praticá-la. Sentidos e faculdades nos foram concedidos para serem consagrados ao serviço do bem comum, para que nós, agraciados acima de todas as outras formas de vida pela perceptividade e razão, devamos labutar em todos os tempos e em toda a parte, seja grande ou pequena, comum ou extraordinária a ocasião, até que toda a humanidade esteja seguramente reunida na inexpugnável fortaleza do conhecimento. Nós devemos estar continuamente estabelecendo novos alicerces para a felicidade humana, e criando e promovendo novos instrumentos para este fim. Quão excelente, quão nobre é o homem que se levanta para cumprir suas obrigações; quão vil e desprezível é aquele que fecha seus olhos para o bem-estar da sociedade e desperdiça sua vida preciosa na procura de seus próprios interesses egoístas e vantagens pessoais. Suprema é a felicidade do homem, e ele observa os sinais de Deus no mundo e na alma humana, se ele se apressa sobre o corcel de elevados esforços na arena da civilização e justiça. “De pronto lhes mostraremos Nossos milagres em todas as regiões da Terra, assim como em suas próprias pessoas.”

E isto representa a suprema baixeza humana: que ele deva viver inerte, apático, obtuso, envolvido somente com seus próprios instintos mais baixos. Quando ele está nesta situação, ele tem seu ser na mais profunda ignorância e selvageria, tornando-se inferior às bestas selvagens. “São como as bestas, quiçá pior… São, aos olhos de Deus, piores que as bestas, pois são surdos e mudos, e não raciocinam.”

Devemos agora nobremente decidir nos levantar e segurar firmemente todos aqueles instrumentos que promovam a paz e o bem-estar e a felicidade, o conhecimento, a cultura e a indústria, a dignidade, o valor e a posição da inteira raça humana. Assim, através das águas restauradoras da intenção pura e do esforço desprendido, a terra das potencialidades humanas desabrochará com sua própria excelência latente e florescerá em qualidades louváveis, e produzirá e vicejará até tornar-se rival aos roseirais de conhecimento que pertenceram aos nossos antepassados. Então esta terra sagrada da Pérsia tornar-se-á, em todos os sentidos, o centro focal das perfeições humanas, refletindo como se em um espelho a plena panóplia da civilização mundial.

Todo louvor e honra ao Alvorecer da Sabedoria Divina, a Aurora da Revelação (Muhammad) e à santa linhagem de Seus descendentes, pois com os raios largamente difundidos de Sua consumada sabedoria, Seu conhecimento universal, aqueles selvagens habitantes de Yathrib e Bathá foram tirados, milagrosamente e em tão breve período, das profundezas da ignorância, elevados aos pináculos do conhecimento, e tornaram-se os centros das artes e das ciências e das perfeições humanas, e estrelas da felicidade e da verdadeira civilização, resplandecendo através dos horizontes do mundo.

Sua Majestade o decidiu no presente momento [1875], trazer o progresso para o povo da Pérsia, seu bem-estar e segurança, e a prosperidade de seu país. Ele espontaneamente estendeu ajuda a seus súditos, demonstrando energia e imparcialidade, esperando que através da luz da justiça ele possa fazer do Irã a inveja do Oriente e do Ocidente, e fazer com que aquele puro fervor que caracterizou as grandes épocas primordiais da Pérsia flua novamente nas veias de seu povo. Como está claro àquele que discerne, o autor, por esta razão, sentiu a necessidade de narrar, por Deus somente e como umtributo a este elevado empenho, uma breve declaração sobre algumas questões urgentes. Para demonstrar que Seu único propósito é o de promover o bem-estar geral, Ele omitiu Seu nome. Uma vez que Ele acredita que a guia em direção à retidão é em si mesmo um ato honroso, Ele oferece estas poucas palavras de aconselhamento aos filhos de Seu país, palavras ditas somente por causa de Deus e em espírito de um fiel amigo. Nosso Senhor, Quem conhece todas as coisas, testemunho de que este Servo não pretende outra coisa a não ser o que é justo e bom; pois Ele, um viajante no deserto do amor de Deus, chegou a um reino onde a mão da negação ou do consentimento, do louvor ou da repreensão não podem tocá-Lo. “Certamente vos alimentamos por amor a Deus; não vos exigimos recompensa nem gratidão.”

A mão está velada, no entanto a pena escreve como ordenado;
O cavalo salta à frente, ainda que o cavaleiro esteja oculto.

Ó povo da Pérsia! Olhai aquelas páginas que florescem, que falam de um outro dia, passado muito tempo. Lede-as e maravilhai-vos; contemplai a grande visão. Naqueles tempos, o Irã era o coração do mundo; era a tocha brilhante flamejando na assembleia da humanidade. Seu poder e glória brilhavam como o amanhecer acima dos horizontes do mundo, e o esplendor de seu conhecimento lançava seus raios sobre Oriente e Ocidente. A palavra do império largamente difundido, daqueles que cingiam sua coroa, alcançava até mesmo os habitantes do Círculo Ártico, e a fama da augusta presença de seu Rei dos Reis humilhava os governantes da Grécia e de Roma. Os maiores filósofos do mundo maravilhavam-se com a sabedoria de seu governo, e seu sistema político tornou-se o modelo para todos os soberanos dos quatro continentes então conhecidos. Ele foi distinguido, entre todos os povos, pela abrangência de seu domínio, foi reverenciado por todos pelas suas louváveis cultura e civilização. Ele era o pivô do mundo, ele era a fonte e o centro de ciências e artes, a nascente das grandes invenções e descobertas, a rica mina de virtudes e perfeições humanas. O intelecto, a sabedoria dos membros individuais desta excelente nação fascinavam as mentes das outras pessoas, o brilhantismo e o gênio perceptivo que caracterizavam esta nobre raça incitavam a inveja do mundo inteiro.

Além daquilo que é objeto de registro nas histórias persas, afirma-se no Antigo Testamento estabelecido hoje entre todos os povos europeus como um Texto sagrado e canônico que no tempo de Ciro, conhecido nas obras iranianas como Bahman, filho da Isfandíyár, as trezentas e sessenta divisões do Império Persa estendiam-se dos confins do interior da Índia e da China aos mais remotos recantos do Iêmen e da Etiópia. Os contos gregos relatam também como este orgulhoso soberano avançou contra eles com um exército incalculável e deixou seus domínios, até então vitoriosos, reduzidos ao pó. Ele fez estremecer os pilares de todos os governos; de acordo com aquela autorizada obra árabe, a história de Abu’l-Fidá, ele conquistou o inteiro mundo conhecido. Está também registrado neste mesmo texto e em outros, que Firaydún, um rei da dinastia Píshdádíyán quem, de fato, em virtude de suas perfeições inerentes, seu poder de julgamento, a abrangência de seu conhecimento e sua longa série de contínuas vitórias, foi único entre todos os que o procederam e o seguiram dividiu o inteiro mundo conhecido entre seus três filhos.

Como comprovado pelos anais das pessoas mais ilustres do mundo, o primeiro governo a ser estabelecido na Terra, o mais notável império organizado entre as nações, foi o trono e o diadema da Pérsia.

Ó povo da Pérsia! Acordai de vosso sono embriagador! Levantai de vossa letargia! Sede justos em vosso julgamento: permitirão os ditames da honra que esta terra sagrada, outrora a fonte da civilização mundial, a origem de glória e felicidade para toda humanidade, a inveja do Oriente e do Ocidente, permaneça um objeto de piedade, deplorado por todas as nações? Ela foi outrora o mais nobre dos povos: deixareis a história contemporânea registrar para as eras o seu atual estado de decadência? Aceitareis complacentemente sua desgraça atual, quando ela foi a terra de todos os desejos da humanidade? Deve ela agora, por causa desta desprezível indolência, desta incapacidade de lutar, desta completa ignorância, ser considerada a mais retrógrada das nações?

Não foi o povo da Pérsia, em tempos distantes, a cabeça e o rosto do intelecto e da sabedoria? Não brilharam eles, pela graça de Deus, como a estrela d’alva nos horizontes do conhecimento Divino? Como é que estamos hoje satisfeitos com esta miserável condição, estamos atraídos às nossas paixões licenciosas, nos cegamos à suprema felicidade, àquela que é agradável aos olhos de Deus, e tenhamos todos ficado absorvidos em nossas preocupações egoístas e na busca de vantagem ignóbil e pessoal?

Esta mais formosa das terras foi outrora uma lâmpada, deixando fluir os raios do conhecimento Divino, de ciência e arte, de nobreza e conquistas elevadas, de sabedoria e valor. Hoje, por causa do ócio e da letargia de seu povo, seu torpor, seu indisciplinado modo de vida, sua falta de orgulho, falta de ambição sua brilhante prosperidade foi totalmente eclipsada, sua luz tornou-se escuridão. “Os sete céus e as sete terras choram pelo poderoso quando ele é derrotado.”

Não se deve imaginar que o povo da Pérsia é inerentemente deficiente em inteligência, ou que, em perceptividade e compreensão essenciais, sagacidade inata, intuição e sabedoria, ou capacidade ingênita, ele seja inferior aos outros. Deus o proíba! Pelo contrário, eles sempre sobrepujaram todos os outros povos em talentos concedidos de nascença. Além disso, a própria Pérsia, do ponto de vista de seu clima temperado e belezas naturais, suas vantagens geográficas e seu rico solo, é abençoada em um grau supremo. O que ela urgentemente necessita, no entanto, é de profunda reflexão, ação resoluta, educação, inspiração e encorajamento. Seu povo deve fazer um esforço massivo e seu orgulho deve ser despertado.

Hoje, em todos os cinco continentes do globo é a Europa e a maior parte da América que são renomadas por sua lei e ordem, governo e comércio, arte e indústria, ciência, filosofia e educação. No entanto, em tempos antigos estes eram os mais selvagens dos povos do mundo, os mais ignorantes e brutais. Eles eram até mesmo estigmatizados como bárbaros ou seja, como extremamente rudes e incivilizados. Ademais, do século V após Cristo até o século XV, aquele período definido como a Idade Média, tais lutas terríveis e revoltas ferozes, tais encontros implacáveis e atos horríveis eram a regra entre os povos da Europa, de tal modo que os europeus acertadamente descrevem aqueles dez séculos como a Idade das Trevas. A base do progresso e da civilização da Europa foi verdadeiramente estabelecida no século XV da era cristã, e daquela época em diante toda sua presente e evidente cultura esteve, sob o estímulo de grandes mentes e como um resultado da expansão das fronteiras do conhecimento e do emprego de esforços enérgicos e ambiciosos, em processo de desenvolvimento.

Hoje, pela graça de Deus e a influência espiritual de Sua Manifestação universal, o governante justo do Irã reuniu seu povo no abrigo da justiça, e a sinceridade do objetivo imperial tem sido demonstrada por si na realeza de seus atos. Na esperança de que seu reino rivalizará com o passado glorioso, ele tem buscado estabelecer a equidade e a retidão, e fomentar a educação e os processos de civilização por toda esta nobre terra, e traduzir potencialidade em realidade tudo o que assegure seu progresso. Até então nunca havíamos visto um monarca, que segurasse em suas mãos habilidosas as rédeas dos assuntos e de cuja elevada determinação dependesse o bem-estar de seus súditos, exercendo, como lhe convém, como um pai benevolente, seus esforços à instrução e ao cultivo de seu povo, procurando assegurar seu bem-estar e paz de espírito, e demonstrando devida preocupação pelos seus interesses; este Servo e aqueles como Ele têm, portanto, permanecido silenciosos. Agora, no entanto, está claro para os perspicazes que o xá, de sua própria vontade, tomou a resolução de estabelecer um governo justo e assegurar o progresso de todos os seus súditos. Sua honorável intenção tem evocado, consequentemente, esta presente declaração.

É estranho, em verdade, que ao invés de oferecer agradecimentos por esta bênção, que verdadeiramente deriva da graça de Deus Todo-Poderoso, levantando-se unidos em gratidão e entusiasmo, e orando para que estes nobres propósitos multipliquem-se dia a dia, alguns, pelo contrário, cuja razão tem sido corrompida por motivos pessoais e cuja clareza de percepção foi obscurecida por interesses egoístas e vaidade, cujas energias são dedicadas ao serviço de suas paixões, cujo senso de honra está pervertido pelo amor ao poder, levantaram a bandeira da oposição e elevaram bem alto suas queixas. Até agora eles culpavam o por não ter, de sua própria iniciativa, trabalhado pela prosperidade de seu povo e procurado realizar sua paz e bem-estar. Agora que ele inaugurou este grande desígnio eles mudaram de tom. Alguns dizem que estes constituem métodos modernos e estrangeirismos totalmente desconexos às necessidades atuais e aos costumes seculares da Pérsia. Outros arregimentaram as massas desamparadas, que nada conhecem de religião ou de suas leis e princípios básicos e que, portanto, não possuem poder de discernimento e dizem a eles que estes métodos modernos são as práticas de povos pagãos e são contrários aos veneráveis cânones da verdadeira fé, e acrescentam dizendo que “Aquele que imita um povo é um deles”. Um grupo insiste que tais reformas devem continuar com grande ponderação, passo a passo, sendo a pressa inadmissível. Outros mantêm que tais medidas somente devem ser adotadas à medida que os próprios persas as idealizem, pois eles mesmos devem reformar sua administração política e seu sistema educacional, e o estado de sua cultura, e que não necessidade de tomar emprestadas melhorias de outras nações. Cada facção, em resumo, segue sua própria ilusão particular.

Ó povo da Pérsia! Por quanto tempo desencaminhar-voseis? Quanto tempo deve durar vossa confusão? Por quanto tempo continuarão este conflito de opiniões, este antagonismo inútil, esta ignorância, esta recusa em pensar? Outros estão alertas e nós dormimos nosso sono sem sonhos. Outras nações estão empreendendo todo esforço na melhoria de sua condição; estamos aprisionados em nossos desejos e autoindulgências e, a cada passo, caímos em uma nova armadilha.

Deus é Nossa testemunha de que Nós não temos nenhum motivo ulterior ao discorrermos sobre este tema. Não buscamos angariar favor de ninguém nem atrair alguém para Nós próprios, nem tirar disto qualquer proveito material. Falamos somente como alguém que deseja sinceramente o beneplácito de Deus, pois Nós volvemos Nosso olhar para longe do mundo e de seus povos e buscamos refúgio no protetor cuidado do Senhor. “Não vos exijo recompensa alguma… minha retribuição procede de Deus.”

Aqueles que sustentam que estes conceitos modernos somente se aplicam aos outros países e são irrelevantes ao Irã, que eles não satisfazem suas exigências ou se adaptam ao seu modo de vida, desconsideram o fato de que outras nações foram como somos atualmente. Não contribuíram estes novos sistemas e procedimentos, estas iniciativas progressistas para o avanço daqueles países? Foram os povos da Europa prejudicados pela adoção de tais medidas? Ou, pelo contrário, eles alcançaram por estes meios o mais elevado grau de desenvolvimento material? Não é verdade que, durante séculos, o povo da Pérsia tem vivido como o vemos vivendo atualmente, levando a cabo o modelo do passado? Resultaram quaisquer benefícios discerníveis, algum progresso foi realizado? Se estes fatos não tivessem sido comprovados pela experiência, alguns em cuja mente a luz da inteligência nativa está obscurecida poderiam questioná-los em vão. Pelo contrário, entretanto, cada aspecto destes pré-requisitos para o progresso tem sido testado repetidas vezes, em outros países, e seus benefícios demonstrados tão plenamente que até mesmo a mais tola das mentes pode entendê-los.

Consideremos isto de forma justa e sem preconceitos: perguntemo-nos qual destes princípios básicos e sensatos, procedimentos bem estabelecidos, falhariam em satisfazer nossas necessidades atuais ou seriam incompatíveis com os melhores interesses políticos da Pérsia ou injuriosos para o bem-estar geral de seu povo. Seriam a expansão da educação, o desenvolvimento de artes e ciências úteis, o fomento à indústria e à tecnologia, coisas prejudiciais? Pois tal esforço soergue o indivíduo do interior da multidão e o eleva das profundezas da ignorância às mais elevadas alturas do conhecimento e excelência humana. O estabelecimento de uma legislação justa, em harmonia com as Leis Divinas que garantem a felicidade da sociedade e protegem os direitos de toda a humanidade e constituem uma prova inexpugnável contra a agressão tais leis, assegurando a integridade dos membros da sociedade e sua igualdade perante a lei, inibiriam sua prosperidade e sucesso?

Ou, se através do uso das faculdades de percepção alguém pudesse traçar analogias partindo das atuais circunstâncias e das conclusões tiradas a partir da experiência coletiva, e pudesse visualizar como tornar realidade as situações apenas potenciais no momento, seria irracional considerar que tais presentes medidas garantiriam nossa segurança futura? Pareceria míope, imprudente ou insano, constituiria um desvio daquilo que é justo e apropriado se tivéssemos que fortalecer nossas relações com os países vizinhos, vir a firmar tratados com as grandes potências, estabelecer laços de amizade com governos bem intencionados, olhar para a expansão do comércio com as nações do Oriente e do Ocidente, desenvolver nossos recursos naturais e aumentar a riqueza de nosso povo? Se os governadores provinciais e distritais fossem destituídos de seu atual poder absoluto, uma vez que eles agem conforme seu bel-prazer e fossem, ao contrário, limitados pela equidade e verdade, e se suas sentenças envolvendo pena capital, prisão e outras similares fossem condicionadas à confirmação pelo e pelas altas cortes da capital, que primeiro investigariam devidamente o caso e determinariam a natureza e seriedade do crime e, então, transmitiriam uma decisão justa, sujeita à publicação de um decreto pelo soberano, significaria uma perdição para nossos súditos? Caso o suborno e a corrupção, hoje conhecidos pelos agradáveis nomes de “presentes e favores”, fossem extintos para sempre, isto ameaçaria os alicerces da justiça? Constituiria uma evidência de pensamento insano libertar a soldadesca, que representa um sacrifício vivo para o estado e o povo e desafia a morte a cada momento, de suas extremas miséria e indigência atuais e tomar providências adequadas para seu sustento, vestuário e alojamento, e exercer todo o esforço para instruir seus oficiais na ciência militar e supri-los com os mais avançados tipos de armas de fogo e outros armamentos?

Fosse alguém objetar que as reformas supramencionadas nunca foram totalmente efetivadas, ele deveria considerar o assunto imparcialmente e saber que estas deficiências resultaram da total ausência de uma opinião pública unificada e da falta de zelo e resolução e dedicação por parte dos líderes do país. É óbvio que somente quando o povo for educado, somente quando a opinião pública for adequadamente focalizada, somente quando os funcionários do governo, mesmo os de mais baixo escalão, estiverem isentos do mínimo resquício de corrupção, pode o país ser apropriadamente administrado. Somente quando a disciplina, a ordem e um bom governo atingirem o grau em que um indivíduo, mesmo que ele desenvolvesse seus máximos esforços para assim proceder, encontrar-se-ia ainda incapaz de desviar-se, na espessura de um fio de cabelo, do caminho da retidão, podem as desejadas reformas serem consideradas totalmente estabelecidas.

Além disso, toda e qualquer instituição, ainda que seja o instrumento do maior bem à humanidade, pode ser mal utilizada. Seu uso adequado ou abuso dependem dos vários graus de discernimento, capacidade, fé, honestidade, dedicação e magnanimidade dos líderes de opinião pública.

O certamente fez a sua parte e a execução das medidas benéficas propostas está agora nas mãos das pessoas que trabalham nas assembleias consultivas. Se estes indivíduos provarem ser puros e magnânimos, se eles permanecerem livres da mácula da corrupção, as confirmações de Deus farão deles uma fonte inesgotável de dádiva à humanidade. Ele fará com que fluam de seus lábios e de suas penas aquilo que abençoará o povo, de modo que cada canto deste nobre país, o Irã, será iluminado com sua justiça e integridade, e os raios daquela luz circundarão toda a Terra. “Porque isso não é difícil a Deus.”

Caso contrário, está claro que os resultados provar-se-ão inaceitáveis. Pois se tem testemunhado claramente em certos países estrangeiros que, logo após o estabelecimento de parlamentos, aqueles corpos realmente afligiram e confundiram o povo, e suas bem intencionadas reformas produziram resultados maléficos. Embora o estabelecimento de parlamentos, a organização de assembleias consultivas, constitua o próprio fundamento e base do governo, existem diversos requisitos essenciais que estas instituições devem preencher. Primeiro, os membros eleitos devem ser íntegros, tementes a Deus, magnânimos, incorruptíveis. Segundo, eles devem ser plenamente cientes, em cada particularidade, das Leis de Deus, conhecedores dos mais elevados princípios da lei, versados nas regras que governam a administração dos assuntos internos e na conduta das relações exteriores, hábeis nas artes proveitosas da civilização e satisfeitos com os seus emolumentos legais.

Não se deve imaginar que seria impossível encontrar membros deste tipo. Através da graça de Deus e de Seus eleitos, e dos elevados esforços dos devotos e consagrados, toda dificuldade pode ser facilmente resolvida, todo problema, por mais complexo que seja, provar-se-á mais simples que piscar os olhos.

Se, todavia, os membros destas assembleias consultivas forem inferiores, ignorantes, desinformados das leis de governo e administração, insensatos, mal intencionados, indiferentes, indolentes, egoístas, nenhum benefício advirá da organização de tais corpos. Onde, no passado, um homem pobre, se quisesse buscar seus direitos tinha simplesmente que oferecer um presente a um indivíduo, atualmente ele teria que renunciar a toda esperança de justiça ou então satisfazer todos os membros.

Uma investigação minuciosa revelará que a causa principal de opressão e injustiça, de iniquidade, irregularidade e desordem, é a falta de religiosa no povo e o fato de eles não serem educados. Quando, por exemplo, as pessoas são genuinamente religiosas e são letradas e bem instruídas, e apresenta-se uma dificuldade, elas podem recorrer às autoridades locais; caso elas não obtenham justiça e assegurem seus direitos, e caso elas vejam que a conduta do governo local é incompatível ao beneplácito Divino e à justiça real, elas podem então levar seu caso a cortes superiores e descrever o desvio da administração local em relação à lei espiritual. Essas cortes podem então solicitar os registros locais do caso e, neste caminho, a justiça será feita. Atualmente, porém, devido à sua educação inadequada, a maior parte da população não dispõe nem mesmo do vocabulário para explicar o que ela quer.

No que se refere àquelas pessoas que, aqui e acolá, são consideradas líderes do povo: em razão disto ser somente o início de um novo processo administrativo, elas não estão suficientemente adiantadas em sua educação para terem experimentado os deleites de ministrar justiça ou terem saboreado o regozijo de promover a retidão ou terem sorvido das fontes de uma consciência limpa e uma intenção sincera. Elas não entenderam adequadamente que a suprema honra e a verdadeira felicidade residem no autorrespeito, nas decisões elevadas e intenções nobres, na integridade e na qualidade moral, na pureza da mente. Elas imaginaram, pelo contrário, que sua grandeza consiste na acumulação, por qualquer meio que se lhes apresente, de bens mundanos.

O homem deveria parar e refletir e ser justo: seu Senhor, de imensurável graça, fez dele um ser humano e o honrou com as palavras: “Criamos o homem na mais perfeita proporção” e fez com que Sua misericórdia, que se eleva acima do alvorecer da unicidade, sobre ele reluzisse até que ele se tornasse o manancial das palavras de Deus e o lugar em que os mistérios do paraíso iluminaram-se, e na manhã da criação ele fosse coberto com os raios das qualidades da perfeição e das graças da santidade. Como pode ele manchar esta imaculada vestimenta com a imundície dos desejos egoístas ou trocar esta honra eterna pela infâmia? “Tu te consideras somente uma forma insignificante, quando o universo está abarcado dentro de ti?”

Não fosse nosso intento ser breve e desenvolver nosso tema principal, nós registraríamos um sumário de temas do mundo Divino referentes à realidade do homem e sua elevada posição, e o insuperável valor e importância da raça humana. Deixemos isto para uma outra ocasião.

A condição mais elevada, a suprema esfera, a mais nobre, mais sublime posição na criação, seja visível ou invisível, seja alfa ou ômega, é aquela dos Profetas de Deus, não obstante o fato de que geralmente eles têm, para o mundo exterior, a aparência de nada possuírem a não ser sua própria pobreza. Do mesmo modo, glória inefável é reservada para os Santos e aqueles que estão mais próximos ao Limiar de Deus, posto que pessoas como estas nem por um momento sequer se preocuparam com ganho material. Em seguida, vem a condição daqueles soberanos justos, cuja reputação de protetores dos povos e dispensadores da justiça Divina espalhou-se pelo mundo, cujo nome como poderosos campeões dos direitos dos povos ecoou através da criação. Estes não dão atenção à acumulação de enormes fortunas pessoais; eles acreditam, pelo contrário, que sua própria riqueza reside no enriquecimento de seus súditos. Para eles, se cada cidadão individualmente tiver riqueza e conforto, os cofres reais estarão cheios. Eles não sentem orgulho pelo ouro e prata mas, pelo contrário, pela sua iluminação e determinação em conseguir o bem universal.

Os próximos na escala são aqueles eminentes e honoráveis ministros de estado e deputados, que colocam a vontade de Deus acima de sua própria, e cujas habilidade e sabedoria administrativas na conduta de seus cargos públicos elevam a arte de governar a novas alturas da perfeição. Eles brilham no mundo instruído como lâmpadas do conhecimento; seus pensamentos, suas atitudes e seus atos demonstram seu patriotismo e sua preocupação com o progresso do país. Contentes com um modesto estipêndio, eles consagram seus dias e noites à execução de importantes tarefas e ao planejamento de métodos para assegurar o progresso do povo. Através da eficácia de seu sábio conselho, da integridade de seu julgamento, eles fizeram com que seu governo se tornasse um exemplo a ser seguido por todos os governos do mundo. Eles fizeram de sua capital um foco central de grandes empreendimentos mundiais, e conquistaram distinção, alcançando um grau supremo de eminência pessoal e atingindo as mais elevadas alturas de reputação e caráter.

Em seguida, existem aqueles homens de conhecimento famosos e talentosos, possuidores de qualidades louváveis e de uma vasta erudição, que se prendem ao apoio forte do temor a Deus e mantêm-se nos caminhos da salvação. No espelho de suas mentes, as formas da realidade transcendente são refletidas e a lâmpada de sua visão interior deriva sua luz do sol do conhecimento universal. Noite e dia, eles estão ocupados com meticulosa pesquisa em tais ciências que são proveitosas para a humanidade e dedicam-se à instrução de estudantes de capacidade. É certo que pelo seu critério de discernimento os tesouros ofertados pelos reis não se comparariam a uma única gota das águas do conhecimento, e montanhas de ouro e prata não poderiam ter mais valor do que a resolução bem sucedida de um problema difícil. Para eles, os deleites que jazem ao lado de fora de seu trabalho constituem somente brinquedos para crianças, e a carga enfadonha das posses desnecessárias são benéficas somente para os ignorantes e os vis. Contentes como os pássaros, eles rendem graças por um punhado de sementes, e a canção de sua sabedoria deslumbra as mentes dos mais sábios do mundo.

Existem ainda líderes sagazes entre os povos e personalidades influentes em todo o país que constituem os pilares do estado. Sua posição, condição e sucesso dependem de eles serem os que desejam o bem do povo, e de sua busca de tais meios que aperfeiçoarão a nação e aumentarão a riqueza e o conforto de seus cidadãos.

Observai o caso em que um indivíduo é uma pessoa eminente em seu país, zelosa, sábia, de coração puro, conhecida por sua capacidade inata, inteligência, perspicácia natural e que é também um importante membro do estado: O quê, para tal indivíduo, pode ser considerado como honra, felicidade duradoura, posição e condição, seja nesta vida ou na vindoura? É a dedicação assídua à verdade e à retidão, é o empenho, resolução e devoção ao beneplácito de Deus, é o desejo de atrair a consideração favorável do governante e merecer a aprovação do povo? Ou, ao contrário, consistiria nisto, que por causa do prazer em festas e libertinagens à noite ele deveria gradativamente arruinar o seu país e partir os corações de seu povo durante o dia, fazendo com que Deus o rejeitasse e o seu soberano o exilasse, e o seu povo o difamasse e o mantivesse em merecido desprezo? Por Deus, os ossos em decomposição no cemitério são melhores do que estes! De que valor são eles, aqueles que nunca saborearam o alimento celestial das verdadeiras qualidades humanas e nunca beberam das águas cristalinas dessas bênçãos que pertencem ao reino do homem?


É inquestionável que o objetivo de estabelecer parlamentos é levar a efeito a justiça e a retidão, mas tudo depende dos esforços dos representantes eleitos. Se sua intenção for sincera, resultados desejáveis e melhorias incalculáveis apresentar-se-ão; caso contrário, é certo que tudo será sem sentido, o país chegará a uma paralisação e questões públicas deteriorar-se-ão continuamente. “Eu vejo mil construtores insuficientes para um destruidor; que tal, então, um construtor seguido por mil destruidores?”

O propósito das afirmações antecedentes é demonstrar pelo menos isto, que a felicidade e a grandeza, a posição e o status, a satisfação e a paz de um indivíduo nunca consistiram em sua riqueza pessoal, mas, pelo contrário, em seu caráter excelente, sua elevada determinação, a extensão de sua erudição e sua habilidade para solucionar problemas difíceis. Como bem se disse: “Sobre minhas costas está uma vestimenta que, fosse vendida por um centavo, aquele centavo seria de valor muito maior; ainda mais, dentro das vestes está uma alma que, se tu a comparasses com todas as almas no mundo, provar-se-ia maior e mais nobre.”

Na presente visão do escritor, seria preferível se a eleição de membros não-permanentes de assembleias consultivas em estados soberanos fosse dependente da vontade e escolha do povo. Pois, por conta disso, os representantes eleitos serão um tanto inclinados a exercer justiça a fim de que sua reputação não sofra e eles não caiam em desfavor do público.

Não se deve imaginar que os comentários iniciais do escritor constituem uma repreensão à riqueza ou uma condenação à pobreza. A riqueza é louvável no mais elevado grau se for adquirida pelo esforço próprio de um indivíduo e pela graça de Deus no comércio, agricultura, arte e indústria, e se for despendida para propósitos filantrópicos. Sobretudo, se um indivíduo sensato e de bons recursos iniciasse providências que enriquecessem universalmente as massas de pessoas, não poderia haver empreendimento maior do que este, e ele posicionar-se-ia diante de Deus como a suprema realização, pois tal benfeitor supriria as necessidades e asseguraria o conforto e bem-estar de uma vasta multidão. A riqueza é meritória ao máximo, contanto que a inteira população seja rica. Se, entretanto, poucos têm riquezas excessivas enquanto os demais estão empobrecidos, e nenhum fruto ou benefício advier daquela riqueza, ela é então somente responsabilidade para o seu possuidor. Se, por outro lado, ela for despendida para a promoção do conhecimento, a fundação de escolas elementares e outras, o fomento à arte e indústria, a instrução dos órfãos e pobres seu possuidor distinguir-se-á perante Deus e o homem como o mais excelente de todos que vivem sobre a Terra, e será contado como um dentre o povo do paraíso.


Quanto àqueles que sustentam que a inauguração de reformas e o estabelecimento de instituições poderosas estariam na realidade em desacordo com o beneplácito de Deus e transgrediriam as leis do Divino Doador de Leis, e seriam contrários aos princípios religiosos fundamentais e à vontade do Profeta deixai-os considerarem como este poderia ser o caso. Transgrediriam tais reformas a lei religiosa porque elas seriam adquiridas de estrangeiros e nos compeliriam, portanto, a sermos como eles são, visto que “Aquele que imita um povo é um deles?”. Em primeiro lugar, estas questões referem-se aos aparatos temporais e materiais da civilização, às ferramentas da ciência, aos suplementos do progresso nas profissões e nas artes, e à conduta metódica do governo. Elas absolutamente nada têm a ver com os problemas do espírito e às complexas realidades da doutrina religiosa. Se for alegado que mesmo onde questões materiais sejam afetadas as importações estrangeiras são inadmissíveis, tal argumento apenas estabeleceria a ignorância e a insensatez de seus proponentes. Esqueceram-se eles do célebre hadíth (Tradição Sagrada): “Buscai conhecimento, mesmo que na China?” É certo que o povo da China estava, perante Deus, entre os mais rejeitados dos homens, porque ele adorava ídolos e estava desatento ao Senhor onisciente. Os europeus eram ao menos “Povos do Livro” e crentes em Deus, e especificamente citados no verso sagrado: “Constatarás que aqueles que estão mais próximos do afeto dos crentes são os que dizem: Somos cristãos!” Portanto, é totalmente admissível e em verdade mais apropriado adquirir conhecimento de países cristãos. Como poderia a busca por conhecimento entre os pagãos ser aceitável a Deus e sua busca entre o Povo do Livro Lhe ser repugnante?

Ademais, na Batalha dos Confederados, Abú Sufyán angariou o apoio do Baní Kinánih, do Baní Qahtán e do judeu Baní Qurayzih, e levantou-se com todas as tribos do Quraysh para eliminar a Luz que flamejava na lâmpada de Yathrib (Medina). Naqueles dias, os grandes ventos das provações e tribulações estavam soprando de cada direção, como está escrito: “Pensam os humanos que serão deixados em paz porque dizem: Cremos! Sem o provarem?” Os crentes eram poucos e o inimigo atacando em grande número, procurando encobrir o recém-erguido Sol da Verdade com o da opressão e tirania. Então Salmán (o persa) entrou na presença do Profeta o Ponto do Alvorecer da revelação, o Foco dos infindáveis esplendores de graça e disse que na Pérsia, a fim de protegerem-se de uma hoste usurpadora, eles cavavam um fosso ou uma trincheira ao redor de suas terras, e que isto se havia provado uma salvaguarda altamente eficiente contra ataques de surpresa. Será que aquela Fonte de sabedoria universal, aquela Mina de conhecimento Divino, em resposta, disse que isto era uma prática corrente entre idólatras, magos adoradores do fogo, e dificilmente poderia ser adotada por monoteístas? Ou, pelo contrário, Ele imediatamente orientou Seus seguidores a começarem cavar a trincheira? Ele próprio, em Sua abençoada pessoa, pegou as ferramentas e foi ao trabalho ao lado deles.

Além disso, é uma questão de registro nos livros das diversas escolas islâmicas e dos escritos de líderes clérigos e historiadores, que após a Luz do Mundo ter se erguido sobre Hijáz, inundando toda a humanidade com Seu esplendor e, através da revelação de uma nova Lei Divina, novos princípios e instituições, criando uma mudança fundamental por todo o mundo foram reveladas leis sagradas que em alguns casos conformaram-se às práticas dos Dias da Ignorância. Dentre estas, Muhammad respeitou os meses de trégua, manteve a proibição da carne suína, continuou o uso do calendário lunar e os nomes dos meses, e assim por diante. um considerável número destas leis enumeradas nos textos:

Ocean 2.0 Reader. Empty coverOcean 2.0 Reader. Book is closedOcean 2.0 Reader. FilterOcean 2.0 Reader. Compilation cover