Este volume contém palestras proferidas por ‘Abdu’l-Bahá, a terceira e última das grandes Figuras Centrais da Fé Bahá’í, e a única a visitar o Ocidente. Foram dirigidas informalmente a pequenos auditórios durante Sua estada em Paris, de outubro a dezembro de 1911. Pessoas de todas as classes O escutavam — umas, dispostas a morrer por Sua Mensagem e outras, tramando Seu assassinato. Suas palavras foram anotadas por alguns amigos e hoje estão publicadas em várias línguas.
A Revelação Bahá’í surgiu na cidade de Shíráz, Irã, em maio de 1844, quando dezoito almas sinceras, da mesma forma que os Reis Magos, descobriram e reconheceram independentemente Siyyid Mírzá ‘Ali Muhammad como o Mensageiro de Deus.
Esses discípulos, após curto período de iniciação, foram enviados por seu Líder para proclamarem em lugares distantes a aurora de uma nova Revelação na terra e o próximo advento de um Mensageiro ainda maior. Alguns meses após a proclamação destas Boas Novas o país inteiro inflamou-se de violento ódio e tornou-se o palco das mais cruéis perseguições da história, enquanto o movimento, espalhando-se com a rapidez do raio, conseguia adeptos tanto entre as pessoas mais importantes quanto entre as mais humildes e ocasionava alarme entre as autoridades que, por sua vez, procuravam atiçar a chama da resistência do povo. Viajantes ocidentais referem-se, em seus escritos, às terríveis cenas testemunhadas no Irã, nessa época. Mas as torturas e os martírios, a despeito de sua crueldade, não conseguiram intimidar os seguidores do Profeta, os quais demonstraram desejo sempre crescente de sacrificar a vida pelo seu Mestre. Vinte mil pessoas morreram jubilosamente no espaço de alguns anos. A primeira etapa da perseguição culminou com o martírio de ‘Alí Muhammad, que assumira o título de Báb, ou Porta, fuzilado na praça do mercado de Tabríz em 9 de julho de 1850.
Em 1863, no jardim de Ridván, em Bagdá, um nobre persa, chamado Mírzá Husayn ‘Alí, conhecido como Bahá’u’lláh ou a Glória de Deus, proclamou-se Mensageiro de Deus, Aquele cujo advento o Báb anunciara a Seus seguidores. Ele próprio, um dos primeiros discípulos do Báb, havia sido despojado de todos os bens e confinado numa masmorra em Teerã, até o banimento para Bagdá. Cumprindo-se incidentalmente algumas profecias das Escrituras, seguiram-se outros desterros: Constantinopla, Adrianópolis e, finalmente, Akká, de cuja prisão Ele proclamou-Se e promulgou Sua mensagem por cartas aos governantes da terra, instando-os a que abandonassem seus preparativos bélicos e se voltassem para Ele, e vaticinando sua ruína se não atentassem Seu pedido. A queda de vinte monarquias daí em diante foi testemunho inexorável do poder de Sua palavra. Seus escritos totalizaram aproximadamente cem volumes, muitos dos quais em resposta a perguntas individuais. Faleceu em 1892, ainda virtual prisioneiro, tendo designado Seu filho mais velho, conhecido como ‘Abdu’l-Bahá ,o Servo da Glória, para Seu sucessor e intérprete de Sua palavra.
‘Abdu’l-Bahá nasceu em 1844; acompanhou Seu Pai em todas as viagens, participando, em companhia de outros membros da família, de Suas privações, exílio e encarceramento. Permaneceu preso após a morte de Bahá’u’lláh, recebendo no exílio muitos peregrinos do Ocidente, até que a revolução turca de 1908 O libertou. Até então não havia sido possível ao reconhecido Líder da Fé viajar, a fim de proclamar a Mensagem.
‘Abdu’l-Bahá partiu para a Europa em 1911, com a idade de 67 anos, fazendo Seu primeiro discurso a um auditório do Ocidente no City Temple, Londres. No curso de uma viagem de oito meses pela América, visitou trinta e nove cidades, de Nova York, a São Francisco, falando em reuniões de todo tipo e, em Wilmette, Chicago, lançou a pedra fundamental do primeiro Templo Bahá’í no Ocidente, atualmente quase concluído. Mais tarde visitou diversos países da Europa, indo à Inglaterra pela segunda vez. As palestras aqui registradas foram pronunciadas em Paris e em Londres, na Sua volta dos Estados Unidos. Também discursou em auditórios de Oxford, Edimburgo e Bristol, assim como em diversas outras cidades da Europa.
Os jornais da época muito comentaram a Seu respeito e numerosas pessoas se aglomeravam para vê-Lo onde quer que Ele fosse. “Relembrando aqueles dias, nossos ouvidos estão cheios do som dos passos delas”, escreveu Sua anfitriã em Londres, “pois vinham de todos os países do mundo. Todos os dias, o dia todo, um fluxo constante, uma interminável procissão!” Homens cultos prestaram-Lhe ardoroso preito.
Em 1913 Ele voltou à Terra Santa, onde faleceu em 1921.
A rapidez da propagação, por toda a parte, das idéias promulgadas por Bahá’u’lláh é um dos mais singulares fenômenos dos tempos modernos. Poucas pessoas sensatas hoje se opõem a princípios como igualdade de sexos, unidade das nações (muito auxiliada por novas descobertas), constituição de uma língua internacional auxiliar e de parlamento mundial para solucionar pendências de soberania nacional, estabelecimento da segurança coletiva, reconhecimento da unidade da raça humana e da conseqüente impossibilidade de resolver seus problemas em termos locais .
Realmente, embora estes e outros princípios fossem proclamados numa época em que pareciam absurdamente irrealizáveis, seu triunfo, afinal, nunca foi questionado; apenas na maneira de sua execução foi dada ao homem uma opção: o processo seria fácil ou penoso, na medida da aceitação ou rejeição do Expositor Divino. As terríveis conseqüências de sua escolha são hoje tão evidentes, como inevitável é a aceitação de cada um dos ideais que ele preferiu desprezar.
A Fé Bahá’í tem sido definida como a religião renovada, mas também oferece algo de novo entre as religiões. Provê um dispositivo para uma ordem mundial fundamentada nos princípios que a Fé enuncia, e delineada para assegurar a unidade do homem, assim como um sistema administrativo já funcionando com sucesso, em forma embrionária, em muitas partes do mundo. Ela esclarece muitas questões tais como: o significado da Criação e o lugar do homem no universo. Além disso, provê uma explanação de todo o curso da história até o caos dos dias presentes, integrando-a com um Desígnio cuja gradativa realização, em momento algum, é postergada. Identificar-se com isso traz supremo contentamento e intenso desejo de auxiliar na sua concretização. A rainha Maria, da Romênia, neta da rainha Vitória, escreveu: “A Doutrina Bahá’í traz compreensão e paz. Assemelha-se a um vasto amplexo, reunindo simultaneamente todos aqueles que há muito tempo vêm ansiando por palavras de esperança. Aceita todos os Profetas anteriores, não destrói nenhuma crença e deixa abertas todas as portas. Contristada com a contínua discórdia entre seguidores de muitos credos e entediada com a intolerância entre eles, descobri na Doutrina Bahá’í o verdadeiro espírito de Cristo, tão freqüentemente negado e mal interpretado: concórdia em vez de discórdia, esperança em vez de condenação, amor em vez de ódio e uma grande tranqüilidade para todos os homens”.
No passamento de ‘Abdu’l-Bahá iniciou-se a Idade Formativa da Fé — a idade destinada a vê-la estabelecida através do mundo inteiro. Até 1921 a Fé alcançara trinta e três países e, desde então, vem se disseminando ao redor do mundo. Atualmente está representada em mais de trezentos países e maiores ilhas; há mais de trinta e dois mil centros locais e as Escrituras Bahá’ís já foram traduzidas em mais de quatrocentos línguas diferentes.
Aqueles que se encontraram com ‘Abdu’l-Bahá e com Ele conversaram não se surpreendem com o sucesso e a rápida propagação da Fé Bahá’í. Experimentaram a sensação de estarem elevados a um plano onde seus problemas pareciam dissipar-se. Ele irradiava tão maravilhoso espírito de amor e concórdia, que todas as diferenças eram esquecidas em Sua presença. Se a menor das Três Figuras Centrais da Fé Bahá’í podia produzir tal efeito, como poderiam admirar-se de que a força desta Fé atraísse as almas e unisse os corações?
Fechamos esta introdução mencionando as palavras de um inglês ilustre, Sir Ronald Storrs, que se encontrou com ‘Abdu’l-Bahá e sentiu a força do Seu grande espírito:
“Encontrei-me com ‘Abdu’l-Bahá pela primeira vez em 1900 … Viajei num veículo ao longo da praia, de Haifa a Akká, e passei uma hora muito agradável com o paciente, mas insubjugável prisioneiro e exilado… A guerra nos separou novamente, até que Lord Allenby, após sua triunfante investida através da Síria, me aí enviou para estabelecer o governo em Haifa e em todo o seu distrito. Fiz uma pequena visita a ‘Abbás Effendi no dia em que cheguei e tive o prazer de O encontrar inalterado.
Nunca deixei de O visitar enquanto estive em Haifa. Sua conversação era, realmente, de nível notável, semelhante à de um antigo profeta, muito distante das perplexidades e mesquinharias da política da Palestina, exaltando todos os problemas dentro de princípios básicos.
Rendi meu pesaroso e último tributo de afetuosa homenagem quando, em 1921, acompanhei Sir Herbert Samuel ao funeral de ‘Abbás Effendi. Subimos pelas encostas ao alto do Monte Carmelo, à frente de um numeroso séqüito de várias religiões e eu nunca conhecera unânime demonstração de pesar e respeito maior do que aquela, suscitada pela simplicidade absoluta da cerimônia”.
16 e 17 de outubro de 1911
Quando o homem volve sua face para Deus, encontra a luz do Sol em toda a parte; todos são seus irmãos. Não deveis permitir que o convencionalismo vos faça parecer frios e antipáticos a indivíduos estranhos de outros países. Evitai olhá-los sob a suspeita de malfeitores, ladrões e grosseiros. Julgais que é necessário muito cuidado a fim de que o relacionamento com tais pessoas, possivelmente indesejáveis, não seja perigoso.
Peço que o egoísmo não ocupe vosso pensamento. Sede bondosos com os estrangeiros, quer venham da Turquia, do Japão, da Pérsia, da Rússia, da China ou de qualquer outro país do mundo.
Ajudai-os a sentirem-se como em suas casas; procurai saber onde estão hospedados, perguntando se podeis auxiliá-los em alguma coisa; tentai tornar suas vidas um pouco mais felizes.
Assim, mesmo que aconteça ser verdade o que suspeitastes de início, procurai, não obstante, ser bondosos para com eles — esta bondade ajudá-los-á a se tornarem melhores.
Afinal de contas, por que povos estrangeiros devem ser tratados como estranhos?
Deixai que aqueles que se encontrarem convosco saibam, sem proclamardes o fato, que sois realmente bahá’ís.
Praticai o Ensinamento de Bahá’u’lláh, o da benevolência a todas as nações. Que a demonstração de amizade unicamente com palavras não vos satisfaça; deixai vosso coração incendiar-se de afetuosa bondade por todos aqueles que cruzarem vosso caminho.
Ó vós, das nações ocidentais, sede bondosos para com aqueles que procedem do mundo oriental para permanecerem entre vós. Esquecei vosso formalismo na interlocução; não estão acostumados a isso. Às pessoas do Oriente esse comportamento parece frio, inamistoso. Mostrai-vos, antes, simpáticos. Deixai transparecer que estais plenos de amor universal.
Quando encontrardes um persa, ou qualquer outro estrangeiro, falai-lhe como a um amigo; se ele se mostrar solitário, tentai ajudá-lo, auxiliai-o prontamente; se estiver triste, consolai-o; se pobre, socorrei-o; se oprimido, defendei-o; se aflito, confortai-o. Assim fazendo, podeis manifestar que, não apenas com palavras, mas de fato e verdadeiramente, considerais todos os homens como vossos irmãos.
Que proveito há em concordar que é boa a amizade universal e em falar da solidariedade da raça humana como um grande ideal? A não ser que estes pensamentos sejam transportados para o plano de ação, eles são inúteis.
Continua a existir o erro no mundo, precisamente porque as pessoas falam somente de seus ideais e não se esforçam em pô-los em prática. Se as boas palavras fossem convertidas em ações, muito cedo a desgraça do mundo seria transformada em conforto.
O homem que faz um grande bem e não fala nele, está no caminho da perfeição.
Aquele que pratica uma pequena boa ação e a exagera em sua conversa, vale muito pouco.
Se vos amo, não necessito estar falando constantemente do meu amor — conhecê-lo-eis sem quaisquer palavras. Por outro lado, se não vos amo, isso também sabereis — e não me acreditareis quando eu vos repetir, em mil palavras, que eu vos amo.
As pessoas fazem muitas afirmações de bondade, multiplicando lindas palavras, porque desejam ser consideradas as maiores e as melhores entre as demais, buscando fama aos olhos do mundo. Aqueles que fazem o maior bem usam pouquíssimas palavras concernentes às suas ações.
Os filhos de Deus executam suas obras sem ostentação, obedecendo às Suas leis.
Minha esperança é que estejais sempre livres da tirania e da opressão; que vosso trabalho seja incessante até que a justiça reine em toda a terra; que guardeis pureza em vossos corações e que vossas mãos estejam livres de iniqüidade.
Isto é o que o próximo acesso a Deus exige de vós e é o que de vós espero.
18 de outubro
A realidade do homem é o seu pensamento, não o seu corpo material. A força do pensamento e a força física são associadas. Embora o homem seja parte do reino animal, possui poder de pensamento superior ao das demais criaturas.
Se o pensamento de um homem está constantemente voltado para os assuntos celestiais, então este homem tornar-se-á santo; se, ao contrário, ele não eleva seu pensamento, mas dirige-o para baixo, concentrando-se sobre as coisas deste mundo, cada vez mais se materializa até que chega a um estado pouco superior ao de um simples animal.
Os pensamentos podem ser divididos em duas classes:
1a — Pensamentos que pertencem unicamente ao terreno do pensamento puro e simples;
2a — Pensamentos que se transformam em ação.
Algumas pessoas vangloriam-se em seus pensamentos exaltados, mas, se esses pensamentos nunca atingem o plano da ação, permanecem inúteis; a força do pensamento depende de sua manifestação em ação. O pensamento de um filósofo pode, todavia, no campo do progresso e da evolução, transformar-se em ações de terceiros, mesmo que ele seja incapaz ou sem disposição de realizar os grandes ideais em sua própria vida. A maioria dos filósofos pertence a esta classe; seus ensinamentos elevam-se acima de suas ações. Esta é a diferença entre os filósofos que são Instrutores Espirituais e aqueles que são meros filósofos: o Instrutor Espiritual é o primeiro a seguir Seu próprio ensinamento, pondo em prática Seus ideais e concepções espirituais. Seus pensamentos Divinos manifestam-se ao mundo. Seu pensamento é Ele próprio, do qual é inseparável. Quando encontramos um filósofo enfatizando a importância e a grandeza da justiça e, em seguida, encorajando um monarca voraz na opressão e tirania, prontamente compreendemos que pertence à primeira classe, porque tem pensamentos celestiais e não pratica as virtudes correspondentes.
Essa condição é impossível aos Filósofos Espirituais porque seus altos e nobres pensamentos são sempre expressos em ações.
19 de outubro
Toda a cura verdadeira vem de Deus! Há duas causas para a doença: uma é material, a outra, espiritual. Se a doença está no corpo, é necessário um remédio material; se é da alma, um remédio espiritual.
Somente poderemos ficar sãos se a bênção dos céus vier sobre nós quando estamos sendo tratados, porque a medicina é apenas o veículo visível e exterior por meio do qual recebemos a cura divina. A não ser que o espírito seja curado, de nada vale a cura do corpo. Tudo está nas mãos de Deus e sem Ele nenhuma saúde podemos ter.
Houve muitos homens que morreram da doença sobre a qual fizeram estudos especiais. Aristóteles, por exemplo, que fez estudo específico sobre a digestão, morreu de enfermidade do estômago. Aviseu foi especialista do coração, mas faleceu de moléstia cardíaca. Deus é o único e grande Médico compassivo que tem o poder de dar a verdadeira cura.
Todas as criaturas são dependentes de Deus, por maiores que possam parecer seu conhecimento, seu poder e sua independência.
Vede os poderosos reis da terra: possuem todo o poder que o mundo tem a oferecer e, no entanto, quando a morte chama, devem obedecer, da mesma maneira que os camponeses.