Os Quatro Vales
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Os Quatro Vales Bahá’u’lláh 1a edição - 2002 Tradução: Luis Henrique Beust

Os Quatro Vales


Apresentação

Pequeno, porém de uma grande sabedoria mística, este Escrito de Bahá’u’lláh foi revelado em Bagdá, algum tempo depois de Seu retorno do Curdistão, em 1856. É endereçado ao Xeique ‘Abdu’r-Rahmán Tálabání de Kirkúk, líder dos sufís curdistaneses de Qádirí, com os quais Bahá’u’lláh esteve em contato no Sulimanieh.
Nele estão descritas as quatro “estações” da obtenção mística e poderosa em relação a Deus, cada uma correspondendo a um particular aspecto do divino:
* Daqueles que buscam: onde “o Eu é fonte de satisfação e não deve ser evitado.”;
* Daqueles que habitam: onde a Razão (mente universal divina) é o Pilar Supremo;
* Daqueles devotos enclausurados: onde “nada pode ocupar esse Trono Real a não ser o semblante do amor.”;
* Daqueles dotados de conhecimento místico: onde o semblante do Bem-Amado é o segredo do amadurecimento.
Bahá’u’lláh continua descrevendo o reino no qual o peregrino que se dirige a Deus, seja qual for sua estação, alcançará- o do pleno conhecimento e da Autoridade Absoluta.
Ele finaliza esta magnífica Obra de forma poética e singular– “minhas doces palavras fazem as moscas me incomodar”.
Editora Bahá’í do Brasil

Os Quatro Vales

Ele é o Forte, o Bem-Amado!
Ó tu, Luz da verdade, Hisám-i-Dín,
o Generoso,
Jamais teve o mundo
príncipe como Tu
Dadivoso!

Pergunto-Me por que o laço do amor foi tão abruptamente cortado e o firme convênio da amizade rompido. Acaso alguma vez– Deus o proíba!– teria Minha devoção diminuído, ou Minha profunda afeição minguado, para que dessa maneira Me esquecesses e Me apagasses de teus pensamentos?

Que falta Minha te fez cessar teus favores?
Será por eu ser um servo e tu
de alta Estirpe?

Ou será que uma única flecha te afastou da batalha? Acaso não foste informado de que a constância é um dever para aqueles que seguem o caminho místico, que é ela o verdadeiro guia à Sua Santa Presença? “Quanto aos que dizem ‘Nosso Senhor é Deus’ avançam diretamente para Ele, os anjos hão de descer sobre eles…”

Da mesma forma, diz Ele: “Segue sem hesitação, pois, assim como te foi ordenado.” Portanto, essa conduta é o dever daqueles que habitam na presença de Deus.

Faço o que me foi mandado
e trago a mensagem,
Quer te traga ela conselhos ou ofensa.

Apesar de não ter recebido resposta alguma às Minhas cartas e ainda que renovar Minhas manifestações de estima seja contrário ao costume dos sábios, no entanto, este novo amor rompeu com todas as regras e hábitos antigos.

Não nos contes, de Laylí, a história,
Nem do sofrido Majnún a dor
Teu amor fez que o mundo esquecesse
Que houve antanho qualquer outro amor.
Assim que teu nome veio aos lábios,
Os amantes logo o perceberam.
E os que o ouviram e os que o falaram
Por causa dele, alegres, dançaram.

E, a respeito de sabedoria divina e de conselho celestial [Rúmí diz]:

Todos os meses, meu bem-amado,
Por três dias fico tresloucado.
O primeiro desses dias já veio,
Por isso me vês de alegrias cheio.

Ouvimos dizer que viajaste a Tabríz e Tiflis a fim de disseminar conhecimento, ou que algum outro elevado motivo te levou a Sanandaj.

Ó Meu ilustre amigo! São de quatro tipos aqueles que avançam na jornada mística. Descrevê-los-ei de forma breve, para que os graus e as qualidades de cada um se possam tornar claros a ti.

O Primeiro Vale

SE OS PEREGRINOS SÃO DAQUELES QUE BUSCAM (TALIBÁN) a Caaba do Ser Almejado (maqsúd), essa condição pertence ao Eu– mas àquele Eu que é “O Eu de Deus que permeia todas as Suas leis.”

Nesse plano, o Eu não é rejeitado, mas amado; é fonte de satisfação e não deve ser evitado. Ainda que, no princípio, esse plano seja região de conflito, ao seu fim ele dá acesso ao trono de esplendor. Assim como foi dito: “Ó Amigo; ó Abraão do dia atual! Mata essas quatro aves de rapina do mal” para que, após a morte, o enigma da vida possa ser decifrado.

Esse é o plano da alma que é aceita por Deus. Assim como diz o versículo:

“Entra para junto de Meus servos,
E ingressa em Meu paraíso.”

Esta condição possui muitos sinais, incontáveis provas. Daí ter sido dito: “Nós, seguramente, mostrar-lhes-emos os Nossos sinais no mundo e dentro de si próprios, até que se lhes torne manifesto ser Ele a verdade” e que não há outro Deus salvo Ele.

É necessário, pois, que cada um leia o livro de seu próprio Eu e não tratados de gramática. Eis o motivo pelo qual Ele afirmou: “Lê teu livro: não é necessário mais que tu próprio para te condenar neste dia.”

Conta-se uma história a respeito de um sábio místico que partiu em viagem na companhia de um erudito gramático. Chegaram eles à praia do Mar da Grandeza. O sábio, invocando a Deus, prontamente jogou-se às ondas, mas o gramático ficou perdido em seus raciocínios, os quais eram como palavras escritas n’água. O sábio chamou por ele: “Por que não segues adiante?” Ao que o gramático respondeu: “Ó irmão, não ouso avançar mais. É necessário que eu retorne!” Então o sábio bradou: “Esquece o que leste nos livros de Síbavayh e Qawlavayh, de Ibn-i-Hájib e Ibn-i-Málik, e atravessa as águas!”

A morte do ego é aqui necessária,
Não a tal arte da composição:
Esforça-te, pois, por seres nada
E caminha sobre o mar então.

Da mesma forma, está escrito: “E não sejais dos que esqueceram a Deus, aos quais Ele, por isso, fez que esquecessem de si mesmos .Eles são dos iníquos.”

O Segundo Vale

CASO OS PEREGRINOS SEJAM DOS QUE HABITAM (SÁKINÁN) o vestíbulo (hujrih) dAquele que ocupa uma augusta posição (Mahmúd) essa é a condição da Razão que é conhecida como o Profeta e o Pilar Supremo Aqui, razão significa a mente universal divina, cuja soberania educa todas as coisas criadas– e não a mente imperfeita, pois é assim como o sábio Saná’í escreveu:

Como pode o frágil raciocínio
abarcar o Alcorão,
Ou a aranha prender uma fênix
nos fios que são seus?
Queres que a mente não te arme cilada
ou cause ilusão?
Conduze-a à celestial escola
do compassivo Deus.

Nesse plano, o peregrino depara com agitações mil e inquietudes incalculáveis. Num momento é ele elevado ao céu, no seguinte, atirado às profundezas. Assim como foi dito: “Num instante, ao ápice da glória Tu me elevas; no seguinte, ao mais profundo abismo me atiras.” O mistério entesourado no seguinte versículo sagrado de A CAVERNA
está revelado neste plano quando é dito:

“E poderias ter visto o sol, ao nascer, passando à direita de sua caverna, e, quando se punha, deixando-os pelo lado esquerdo, enquanto encontravam-se naquela espaçosa cavidade. Este é um dos sinais de Deus. Guiado, em verdade, é aquele a quem Deus guia; mas, para aquele a quem Ele desorienta, de forma alguma encontrarás um protetor.”

Se um homem viesse a conhecer o que jaz oculto neste único versículo, isso lhe seria suficiente. Por essa razão, em louvor àqueles que o conseguiram, assim disse Ele: “Homens aos quais nem mercadoria nem comércio distraem da recordação de Deus…”

Esse grau é o padrão e o fim das provações. Neste domínio, a busca do conhecimento é despropositada, pois afirmou Ele quanto à guia oferecida aos viajantes desse plano: “Temei a Deus e Deus instruir-vos-á.” E ainda: “O conhecimento é uma luz que Deus faz irradiar no coração de quem quer que Ele deseje.”

Portanto, todo homem deveria preparar o coração, a fim de torná-lo digno da descida da graça celestial e para que o generoso Portador da Taça lhe possa oferecer o vinho da dádiva do receptáculo misericordioso. “Que trabalhem por isso os que almejam alcançar a bem-aventurança.”

E agora, afirmo: “Verdadeiramente, viemos de Deus e a Ele haveremos de retornar.”

O Terceiro Vale

SE OS AMANTES FOREM DAQUELES DEVOTOS ENCLAUSURADOS (‘akifan) na casa (bayt) dAquele que atrai (Majdhúb) nada pode ocupar esse Trono Real a não ser o semblante do amor. Esse domínio não pode ser descrito em palavras.

“O amor rejeita este mundo
e também aquele;
Setenta e duas loucuras existem nele.
O menestrel do amor repete esta balada:
A escravidão prende
e a realeza não é nada.”

Esse plano exige puro afeto e o cristalino riacho da amizade. Descrevendo esses companheiros Ele diz: “Não falam antes que Ele tenha falado e executam Sua Ordem.”

Nem a soberania da mente, nem a autoridade do próprio Eu são suficientes nesse plano, Assim é que um dos Profetas de Deus perguntou: “Ó meu Senhor, como haveremos de Te alcançar?” E foi dada a reposta: “Abandona a ti mesmo e então vem a Mim.”

Esses são seres para os quais o lugar mais pobre é idêntico ao trono da glória. Para eles, o retiro da beleza não difere do campo de uma batalha travada pela causa do Bem-Amado.

Os enclausurados nesta casa tudo esquecem– e galopam suas montarias. Contemplam apenas a íntima realidade do Bem-Amado. Para eles, todas as palavras de sentido não têm nenhum significado, e as palavras sem significado são plenas de sentido. Não conseguem distinguir um membro do corpo de qualquer outro; nenhuma parte distinguem de outra. Para eles, a miragem é o rio verdadeiro; o ir é retornar. Por essa razão foi dito:

Oh! A fama de Tua beleza
Chegou à cova do eremita;
Louco, ele buscou a torpeza
Do vinho que a loucura imita.
O amor por ti arrasou a torre
Fortificada da paciência.
A dor por ti cerrou a porta
Da esperança com truculência.

Nesse reino, ensinar é inútil e aprender é vão.

O verdadeiro mestre dos que amam
É a beleza suprema do Amado;
Sua face é a lição sem par que estudam,
É seu único livro estimado.
No assombro e no amor ardente aprendem

Deveres, tarefas e lições:

Temas eruditos não os prendem
Nem despertam mais suas emoções.
São Seus cabelos almiscarados
Os grilhões e cadeias que os prendem;
O Plano Cíclico e seus estados,
É a escada por onde a Ele ascendem.

Segue aqui uma súplica a Deus, o Excelso, o Glorificado:

Ó Meu Senhor! Ó Tu que por Tua bênção
Cumpres tudo aquilo que Te é pedido;
Quem Te dedica amor no coração
De todos os seres tem esquecido.
Permite que o conhecimento em mim
Se santifique do baixo pó. Sim!
Que a gota de entendimento a secar
Se una feliz ao poderoso mar.

Por conseguinte, digo: Não há poder ou força a não ser em Deus, o Protetor, o que subsiste por Si Próprio.

O Quarto Vale

SE OS DOTADOS DE CONHECIMENTO MÍSTICO (‘ÁRIFÁN) forem daqueles que alcançaram união (vásilán) com o semblante (tal’at) do Bem-Amado (Mahbúb), essa condição é o trono do coração e o segredo do amadurecimento. Este é o imo do mistério: “Ele faz o que deseja, ordena o que Lhe apraz.”

Fossem todos os habitantes da Terra e do Céu destrinçar esse honorável sigilo, esse enigma sutil, até o Dia do soar da Trombeta ainda assim não conseguiriam compreender dele uma letra sequer, pois essa é a condição do destino (qadar) e do preordenado mistério. Por essa razão, quando buscadores inquiriram sobre isso, Ele respondeu: “Isto é um mar insondável, no qual ninguém jamais penetrará.” Dito isto, voltaram a perguntar e Ele deu a resposta: “Isto é a mais negra das noites, na qual ninguém consegue encontrar o caminho.”

Quem quer que conheça este segredo irá, seguramente, ocultá-lo, e, se apenas viesse a revelar seu mais leve sinal, seria crucificado. Porém, pelo Deus vivente! Existisse alguém que verdadeiramente buscasse, Eu lho revelaria; pois já foi dito: “O amor é uma luz que não habita em um coração dominado pelo medo.”

Verdadeiramente, o peregrino que se dirige a Deus, ao Pilar Carmesim, no caminho reto do sacrifício, jamais alcançará sua meta a menos que abandone tudo o que os homens possuem: “E se ele não temer a Deus, Deus o fará temer todas as coisas; enquanto que todas as coisas temem aquele que teme a Deus.”

Fala em persa,
embora em árabe queiras falar;
O amor tem muitas línguas
que pode dominar.

Quão doce é este dístico sobre esse assunto:

“Quando Ele faz chover
graças como pérolas,
nossos corações abrem-se como conchas,
E nossas vidas são alvos preparados,
quando Ele arremessa,
da agonia, as flechas.”

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