Pequeno, porém de uma grande sabedoria mística, este Escrito de Bahá’u’lláh foi revelado em Bagdá, algum tempo depois de Seu retorno do Curdistão, em 1856. É endereçado ao Xeique ‘Abdu’r-Rahmán Tálabání de Kirkúk, líder dos sufís curdistaneses de Qádirí, com os quais Bahá’u’lláh esteve em contato no Sulimanieh.
Nele estão descritas as quatro “estações” da obtenção mística e poderosa em relação a Deus, cada uma correspondendo a um particular aspecto do divino:
* Daqueles que buscam: onde “o Eu é fonte de satisfação e não deve ser evitado.”;
* Daqueles que habitam: onde a Razão (mente universal divina) é o Pilar Supremo;
* Daqueles devotos enclausurados: onde “nada pode ocupar esse Trono Real a não ser o semblante do amor.”;
* Daqueles dotados de conhecimento místico: onde o semblante do Bem-Amado é o segredo do amadurecimento.
Bahá’u’lláh continua descrevendo o reino no qual o peregrino que se dirige a Deus, seja qual for sua estação, alcançará- o do pleno conhecimento e da Autoridade Absoluta.
Ele finaliza esta magnífica Obra de forma poética e singular– “minhas doces palavras fazem as moscas me incomodar”.
Editora Bahá’í do Brasil
Pergunto-Me por que o laço do amor foi tão abruptamente cortado e o firme convênio da amizade rompido. Acaso alguma vez– Deus o proíba!– teria Minha devoção diminuído, ou Minha profunda afeição minguado, para que dessa maneira Me esquecesses e Me apagasses de teus pensamentos?
Ou será que uma única flecha te afastou da batalha? Acaso não foste informado de que a constância é um dever para aqueles que seguem o caminho místico, que é ela o verdadeiro guia à Sua Santa Presença? “Quanto aos que dizem ‘Nosso Senhor é Deus’ avançam diretamente para Ele, os anjos hão de descer sobre eles…”
Apesar de não ter recebido resposta alguma às Minhas cartas e ainda que renovar Minhas manifestações de estima seja contrário ao costume dos sábios, no entanto, este novo amor rompeu com todas as regras e hábitos antigos.
E, a respeito de sabedoria divina e de conselho celestial [Rúmí diz]:
Nesse plano, o Eu não é rejeitado, mas amado; é fonte de satisfação e não deve ser evitado. Ainda que, no princípio, esse plano seja região de conflito, ao seu fim ele dá acesso ao trono de esplendor. Assim como foi dito: “Ó Amigo; ó Abraão do dia atual! Mata essas quatro aves de rapina do mal” para que, após a morte, o enigma da vida possa ser decifrado.
Conta-se uma história a respeito de um sábio místico que partiu em viagem na companhia de um erudito gramático. Chegaram eles à praia do Mar da Grandeza. O sábio, invocando a Deus, prontamente jogou-se às ondas, mas o gramático ficou perdido em seus raciocínios, os quais eram como palavras escritas n’água. O sábio chamou por ele: “Por que não segues adiante?” Ao que o gramático respondeu: “Ó irmão, não ouso avançar mais. É necessário que eu retorne!” Então o sábio bradou: “Esquece o que leste nos livros de Síbavayh e Qawlavayh, de Ibn-i-Hájib e Ibn-i-Málik, e atravessa as águas!”
CASO OS PEREGRINOS SEJAM DOS QUE HABITAM (SÁKINÁN) o vestíbulo (hujrih) dAquele que ocupa uma augusta posição (Mahmúd) essa é a condição da Razão que é conhecida como o Profeta e o Pilar Supremo Aqui, razão significa a mente universal divina, cuja soberania educa todas as coisas criadas– e não a mente imperfeita, pois é assim como o sábio Saná’í escreveu:
Nesse plano, o peregrino depara com agitações mil e inquietudes incalculáveis. Num momento é ele elevado ao céu, no seguinte, atirado às profundezas. Assim como foi dito: “Num instante, ao ápice da glória Tu me elevas; no seguinte, ao mais profundo abismo me atiras.” O mistério entesourado no seguinte versículo sagrado de A CAVERNA
está revelado neste plano quando é dito:
“E poderias ter visto o sol, ao nascer, passando à direita de sua caverna, e, quando se punha, deixando-os pelo lado esquerdo, enquanto encontravam-se naquela espaçosa cavidade. Este é um dos sinais de Deus. Guiado, em verdade, é aquele a quem Deus guia; mas, para aquele a quem Ele desorienta, de forma alguma encontrarás um protetor.”
Esse grau é o padrão e o fim das provações. Neste domínio, a busca do conhecimento é despropositada, pois afirmou Ele quanto à guia oferecida aos viajantes desse plano: “Temei a Deus e Deus instruir-vos-á.” E ainda: “O conhecimento é uma luz que Deus faz irradiar no coração de quem quer que Ele deseje.”
Esses são seres para os quais o lugar mais pobre é idêntico ao trono da glória. Para eles, o retiro da beleza não difere do campo de uma batalha travada pela causa do Bem-Amado.
Os enclausurados nesta casa tudo esquecem– e galopam suas montarias. Contemplam apenas a íntima realidade do Bem-Amado. Para eles, todas as palavras de sentido não têm nenhum significado, e as palavras sem significado são plenas de sentido. Não conseguem distinguir um membro do corpo de qualquer outro; nenhuma parte distinguem de outra. Para eles, a miragem é o rio verdadeiro; o ir é retornar. Por essa razão foi dito:
Nesse reino, ensinar é inútil e aprender é vão.
O verdadeiro mestre dos que amam
É a beleza suprema do Amado;
Sua face é a lição sem par que estudam,
É seu único livro estimado.
No assombro e no amor ardente aprendem
Deveres, tarefas e lições:
Segue aqui uma súplica a Deus, o Excelso, o Glorificado:
Fossem todos os habitantes da Terra e do Céu destrinçar esse honorável sigilo, esse enigma sutil, até o Dia do soar da Trombeta ainda assim não conseguiriam compreender dele uma letra sequer, pois essa é a condição do destino (qadar) e do preordenado mistério. Por essa razão, quando buscadores inquiriram sobre isso, Ele respondeu: “Isto é um mar insondável, no qual ninguém jamais penetrará.” Dito isto, voltaram a perguntar e Ele deu a resposta: “Isto é a mais negra das noites, na qual ninguém consegue encontrar o caminho.”
Quem quer que conheça este segredo irá, seguramente, ocultá-lo, e, se apenas viesse a revelar seu mais leve sinal, seria crucificado. Porém, pelo Deus vivente! Existisse alguém que verdadeiramente buscasse, Eu lho revelaria; pois já foi dito: “O amor é uma luz que não habita em um coração dominado pelo medo.”
Verdadeiramente, o peregrino que se dirige a Deus, ao Pilar Carmesim, no caminho reto do sacrifício, jamais alcançará sua meta a menos que abandone tudo o que os homens possuem: “E se ele não temer a Deus, Deus o fará temer todas as coisas; enquanto que todas as coisas temem aquele que teme a Deus.”
Quão doce é este dístico sobre esse assunto:
“Quando Ele faz chover
graças como pérolas,
nossos corações abrem-se como conchas,
E nossas vidas são alvos preparados,
quando Ele arremessa,
da agonia, as flechas.”