O Livro Da Certeza
Category: Bahá’í
5:39 h
O KITÁB – I – ÍQÁN O LIVRO DA CERTEZA REVELADO POR BAHÁ´U´LLÁH TRADUZIDO PARA O INGLÊS POR SHOGHI EFENDI 2a edição EDITORA BAHÁ´Í BRASIL Rua Engenheiro Gama Lobo, 267 RIO DE JANEIRO, BRASIL Título original inglês: The Kitáb-i-Íqán The Book of Certitude Traduzido do Inglês por Leonora Stirling Armstrong Primeira Edição Portuguesa 1957 Segunda Edição Portuguesa 1977 Composto e impresso por Estabelecimentos Gráficos Borsoi S/A, Indústria e Comércio, à rua Francisco Manuel, 55 – Benfica – Rio de Janeiro, RJ
Kitáb-I-Íqán

O Livro Da Certeza

Revelado Por Bahá´u´LLáh

Editora Bahá´í– Brasil


“É este o Dia em que se cumpriu o testemunho do Senhor, o Dia em que o Verbo de Deus se tornou manifesto e Sua evidência foi firmemente estabelecida. Chama-vos Sua voz, para aquilo que vos será proveitoso, exortando-vos a observar o que vos há de aproximar de Deus, o Senhor da Revelação.”
Bahá´u´lláh

Esta é mais uma tentativa de apresentar ao Ocidente, embora em linguagem inadequada, este livro de preeminência insuperável entre os escritos do Autor da Revelação Bahá´í. É de se esperar que possa vir a ser de auxílio a outros em seus esforços por se aproximarem daquilo que há de ser considerado sempre como alvo inatingível– uma apresentação digna da linguagem incomparável de Bahá´u´lláh.
SHOGHI

Prefácio

Kitáb-i-Íqán é o termo persa para O Livro da Certeza. Como o título indica, este livro é a palavra criadora de Deus. Foi revelado em 1862, em dois dias e duas noites, quando Bahá´u´lláh estava exilado, e anterior ao tempo em que Ele declarou publicamente Sua própria missão. A revelação deste livro cumpriu uma profecia do Báb, Precursor de Bahá´u´lláh. Em essência, esta obra é uma finalização do livro do Báb, O Bayán, e constitui uma prova do grau divino daquele jovem Arauto da Fé Bahá´í que foi martirizado em Tabríz em 1850– acontecimento este que comoveu o Oriente, bem como a muitas pessoas ponderadas em toda a Europa durante as décadas subseqüentes.

O livro verifica o grau, também, e a missão, de cada um dos Fundadores das religiões reveladas do mundo e afirma a unidade de Seus ensinamentos. Abraão, Moisés, Cristo, Maomé são alguns dos Reveladores da Lei Divina das Eras passadas, sendo-Lhes confiadas a educação moral da humanidade. Sua sucessão é um drama cósmico que desvela o desígnio do universo. Suas Mensagens têm apresentado progressivamente o padrão da sociedade, sua verdadeira história e seu verdadeiro destino. Têm liberado o espírito coletivo que, de época em época, de Era em Era, reanima as almas dos homens, dando à vida diária sentido e propósito.

Graças a esses Manifestantes de Deus, tem a civilização progredido até alcançar novas alturas, levando um povo inteiro a uma percepção em harmonia com o tempo em que vive.

Na primavera e no prolongado verão das brilhantes estações dessas Eras passadas– para o Israel, a cristandade ou nos tempos tranqüilos do islã– a religião penetrava a atmosfera e comandava os temperamentos ou os talentos de todo tipo de homem. O denominador comum, a mais persistente característica dessas culturas distintivas tem sido o senso de dependência de Deus– o Impulsor de todas as coisas.

Aquele que busca a verdade é mais esclarecido pelas exposições que Bahá´u´lláh lhe apresenta de muitas das passagens alegóricas e abstrusas encontradas nas escrituras judaicas, cristãs e muçulmanas, que vêm de longa data confundindo e deturpando o caráter progressivo, evolutivo da Revelação.

Hoje as Palavras de Bahá´u´lláh são um chamado universal para se reconhecer mais uma vez a nova Primava Espiritual. Implica o abandono de todo preconceito e toda limitação que se baseia em padrões ancestrais– orgulho de raça, nacionalismo militante, guerra hereditária, sectarismo religioso e tudo mais que possa impedir a humanidade de erguer aquele Reino de Deus na terra, há tanto prometido– uma ordem mundial pacífica, com justiça para todos.


Primeira Parte

Em Nome De Nosso Senhor, O Excelso, O Altíssimo

Homem algum haverá de alcançar a orla do oceano da verdadeira compreensão, a menos que se desprenda de tudo o que existe no céu e na terra. Santificai vossas almas, Ó vós povos do mundo, para que atinjais, porventura, o grau de elevação que Deus vos destinou, e assim possais entrar no tabernáculo que, segundo ordenou a Providência, foi erigido no firmamento do Bayán.

A essência dessas palavras é: os que trilham no caminho da fé, os que têm sede do vinho da certeza, devem purificar-se de tudo o que é terreno– os ouvidos devem eles purificar de palavras fúteis, as mentes de vãs fantasias, os corações do apego às coisas do mundo, os olhos daquilo que perece. Em Deus devem por a confiança e, n´Ele se apoiando, prosseguir em Seu caminho. Então se tornarão dignos das refulgentes glórias do sol da compreensão e sabedoria divinas e receberão uma graça que é infinita e invisível, desde que o homem não pode esperar jamais atingir o conhecimento do Todo-Glorioso, jamais sorver da corrente da sabedoria divina, jamais entrar na morada eterna, nem participar do cálice da presença e favores divinos, sem que ele antes deixe de considerar as palavras e os atos dos homens mortais como padrões para o reconhecimento e a verdadeira compreensão de Deus e Seus Profetas.

Considerai o passado. Que grande número de homens– fossem de alto grau ou humildes– em todos os tempos, têm esperado ansiosamente o advento dos Manifestantes de Deus nas pessoas santificadas de Seus Eleitos. Quantas vezes têm eles aguardado Sua vinda; quantas vezes orado para que soprasse a brisa da misericórdia divina; para que a prometida Beleza surgisse do véu que a ocultava e se revelasse ao mundo inteiro. E sempre que se abriam os portais da graça, sempre que as nuvens da bondade divina concediam suas chuvas à humanidade e a luz do Invisível brilhava sobre o horizonte do poder celestial, todos O negavam e se afastavam de Seu semblante– semblante esse do próprio Deus. Para provardes esta verdade, examinai o que foi relatado em cada um dos Livros Sagrados.

Ponderai por um momento e refleti sobre aquilo que deu origem a essa negação da parte dos que buscaram tão sinceramente e com tanto anelo. De tal violência foi seu ataque, que nem língua nem pena o pode descrever.

Não apareceu até agora nenhum Manifestante da Santidade sem que fosse alvo de negação, repúdio e veemente oposição da parte do povo a Seu redor. Assim foi revelado: “Oh! a miséria dos homens! Não lhes vem Mensageiro algum, que não seja objeto de seu escárnio”. Diz Ele ainda: “Cada nação tem tramado sinistramente contra seu Mensageiro, querendo prendê-lo com violência e disputar, com palavras vãs, a fim de invalidar a verdade”.

De modo semelhante, as palavras que emanaram da fonte do poder e desceram do céu da glória são inumeráveis e além da compreensão humana comum. Para aqueles que possuem verdadeira compreensão e perspicácia, basta, certamente, o Súrah de Húd. Ponderai no coração, por algum tempo, aquelas santas palavras e, com desprendimento absoluto, esforçai-vos a fim de compreender o que significam. Examinai a conduta admirável dos Profetas e recordai as recusas e difamações pronunciadas pelos filhos da negação e da falsidade; talvez possais fazer com que o coração humano, semelhante ao pássaro, consiga alçar seu vôo para além das moradas da negligência e da dúvida, até o ninho da fé e da certeza, e sorver profundamente as águas puras da sabedoria antiga, e participar do fruto da árvore do conhecimento divino. Tal é a parte que cabe aos puros de coração, daquele pão que desceu dos domínios eternos da santidade.

Se vos informardes das ofensas amontoadas sobre os Profetas de Deus e vierdes a compreender as verdadeiras causas das objeções expressas pelos seus opressores, apreciareis, seguramente, o que significa sua posição. Além disso, quanto mais atentamente observardes as negações dos que fizeram oposição aos Manifestantes dos atributos divinos, mais firme se tornará a vossa fé na Causa de Deus. Faremos nesta Epístola, pois, breve menção das diversas narrações relativas aos Profetas de Deus, para que estas demonstrem o fato de que os Manifestantes de poder e glória têm estado sujeitos, em todas as épocas e todos os séculos, a crueldades tão atrozes que pena alguma ousa descrevê-las. Isso talvez possa fazer com que alguns deixem de se perturbar com os clamores e protestos dos sacerdotes e insensatos desta época e fortaleçam sua confiança e sua certeza.

Entre os Profetas houve Noé. Durante novecentos e cinqüenta anos exortou Ele Seu povo, com fervorosas orações, convidando-o para o refúgio da paz e da segurança. Pessoa alguma, porém, atendeu ao Seu apelo. Cada dia infligiam a esse abençoado Ser tais sofrimentos e dores que ninguém achava possível Ele sobreviver. Quantas vezes O negavam! Com que malevolência sussurravam sua suspeita contra Ele! Assim foi revelado: “E quantas vezes se aproximavam d´Ele alguns dentre Seu povo, tantas vezes O escarneciam. Disse-lhes Ele: “Embora de nós zombeis agora, nós zombaremos de vós mais tarde, do mesmo modo que de nós zombais. No fim sabereis.” Subseqüentemente, em várias ocasiões, Ele prometeu vitória a Seus companheiros, fixando até a hora, mas quando esta soou, a promessa divina não se cumpriu. Por causa disso, alguns dentre o pequeno número de Seus discípulos se afastaram d´Ele, como o testificam os livros mais conhecidos. Estes, certamente, vós os deveis ter examinado, ou se não, havereis de fazer isso, sem dúvida. E, por fim, segundo consta dos livros e das tradições, ficaram com Ele apenas quarenta, ou setenta e dois de Seus discípulos. Exclamou Ele finalmente, do âmago de Seu ser: “Senhor: Não deixes sobre a terra nem sequer um só habitante dentre os incrédulos.”

E agora considerai e refleti, por um momento, sobre a perversidade desse povo. Qual teria sido o motivo de tal negação e afastamento de sua parte? Que os teria induzido a recusar a despirem-se das vestes da negação e adornarem-se com o manto da aceitação? Além disso, que poderia ter causado o não-cumprimento da promessa divina e em conseqüência, a rejeição da parte dos discípulos, daquilo que já haviam aceito? Meditai profundamente, para que se vos revele o segredo das coisas invisíveis e assim possais inalar a doçura de uma fragrância espiritual e imperecível e reconhecer o fato de que o Onipotente sempre prova Seus servos, desde os tempos imemoriais, e por toda a eternidade continuará a prová-los, a fim de que a luz se distinga das trevas, a verdade se diferencie da falsidade, o certo do errado, o esclarecimento do engano, a felicidade da desventura, e as rosas se distingam dos espinhos. Assim mesmo como Ele revelou: “Pensam os homens, ao dizerem– Nós acreditamos– que serão deixados em paz sem serem submetidos à prova?”

E após Noé, a luz do semblante de Húd brilhou sobre o horizonte da criação. Por quase setecentos anos, segundo dizem os homens, Ele exortou o povo a voltar-Lhe as faces e aproximar-se do Ridván da Presença Divina. Que chuva de aflições caiu sobre Ele, até que, afinal, Suas adjurações deram como fruto uma rebeldia crescente, e Seus assíduos esforços não resultaram senão na obstinada cegueira de Seu povo. “E para os faltos de fé, sua descrença apenas lhes aumentará a própria perdição.”

E depois d´Ele, apareceu do Ridván do Eterno, do Invisível, a sagrada pessoa de Sálih, por quem, mais uma vez, o povo foi chamado para o rio da vida imortal. Durante mais de cem anos, Ele os admoestou para que permanecessem fiéis aos mandamentos de Deus e evitassem aquilo que era proibido. Infrutíferas, porém, foram Suas admoestações; em vão, Seu apelo. Por diversas vezes Ele se retirou e viveu na solidão. E tudo isso aconteceu embora essa Beleza Eterna não convidasse o povo, senão para a cidade de Deus. Assim como foi revelado: “E à tribo de Thamud Nós enviamos seu irmão Sálih.– Ó meu povo!– disse Ele,- Adorai a Deus; não tendes outro Deus além d´Ele…– Responderam– Ó Sálih, nossas esperanças estavam em ti até agora; tu nos proíbe adorar o que nossos pais adoraram? Em verdade, duvidamos daquilo para que nos chamaste e o temos por suspeito.-” Tudo isso se provou ser improfícuo, até que, finalmente, se levantou um grande clamor e todos caíram em perdição completa.

Mais tarde, a beleza do semblante do Amigo de Deus afastou o véu que a encobria; mais um estandarte da iluminação divina se içava. Ele convidou os povos da terra para a luz da retidão. Quanto mais apaixonadamente Ele os exortava, mais violentas se tornavam a inveja e a perversidade de todos, salvo daqueles que tudo se desprenderam, menos de Deus, e que subiram, com as asas da certeza, para o grau que Deus exaltou além da compreensão dos homens. É fato assaz conhecido que uma multidão de inimigos O assediaram até que, finalmente, se acenderam contra Ele os fogos da inveja e da rebelião. E após o episódio do fogo, Ele, a lâmpada de Deus entre os homens– segundo relatam todos os livros e crônicas– foi expulso de Sua cidade.

E ao terminar Seu dia, veio o tempo de Moisés. Armado com a vara do domínio celestial e adornado com a nívea mão do conhecimento divino, procedendo do Paran do amor de Deus e manejando a serpente do poder e da majestade eterna, Ele brilhou do Sinai da luz sobre o mundo. Chamou todos os povos e raças da terra para o reino da eternidade; convidou-os a participar dos frutos da árvore da fidelidade. Sabeis, certamente, da violenta oposição feita pelo Faraó e seu povo, e das pedras da vã fantasia jogadas pelas mãos dos infiéis sobre essa abençoada Árvore. A tal ponto, que o Faraó e seu povo se levantaram, finalmente, e fizeram o máximo esforço para extinguir, com as águas da falsidade e negação, o fogo dessa Árvore sagrada, esquecidos do fato de que nenhuma água terrena pode apagar a chama da sabedoria divina, nem vento mortal extinguir a lâmpada do domínio eterno. Não, outro efeito essa água não terá, senão o de tornar ainda mais intenso o ardor da chama, e esse vento nada fará senão assegurar a preservação da lâmpada– se apenas observásseis com olhos que discernem e andásseis no caminho da santa vontade de Deus e de Seu beneplácito. Como disse bem um dos fiéis, um parente do Faraó– cuja história é narrada pelo Todo-Glorioso em Seu Livro revelado a Seu Amado– quando observou: “E disse um homem da família do Faraó, que era crente mas ocultava sua fé– Quereis matar um homem por dizer que meu Senhor é Deus, quando já veio com sinais de vosso Senhor? Se for um mentiroso, sobre ele cairá sua mentira, mas se for homem da verdade, uma parte daquilo que ele ameaça haverá de cair sobre vós. Em verdade, Deus não guia quem é transgressor, mentiroso.-” Finalmente, tamanha foi a iniqüidade deles, que esse mesmo crente sofreu uma ignominiosa morte. “Que a maldição de Deus esteja sobre o povo da tirania.”

E agora ponderai essas coisas. Que teria causado tão grande contenda e conflito? Por que é que o advento de todo verdadeiro Manifestante de Deus tem sido acompanhado de tamanha contenda e tumulto, de tão grande tirania e transtorno? E isso, não obstante o fato de que todos os Profetas de Deus, sempre que se manifestavam aos povos do mundo, prediziam, invariavelmente, a vinda de outro Profeta depois deles e estabeleciam os sinais que haveriam de prenunciar o advento da futura Era. Disso, todos os Livros Sagrados dão testemunho. Por que, então– a despeito da expectativa dos homens em sua busca dos Manifestantes da Santidade e apesar dos sinais registrados nos Livros Sagrados– foram perpetrados, em todos os ciclos e tempos, tais atos de violência, opressão e crueldade contra todos os Profetas e Escolhidos de Deus? Assim mesmo como Ele revelou: “Todas as vezes que vos vem um Apóstolo com aquilo que as vossas almas não desejam, vos inchais de orgulho, acusando alguns de serem impostores e matando a outros.”

Refleti: Qual teria sido o motivo de tais atos? Que teria causado tal conduta para com os Reveladores da beleza do Todo-Glorioso? Qualquer coisa que tivesse motivado, em tempos idos, a negação e oposição daqueles povos, concorre agora para a perversidade do povo desta era. Alegar haver sido incompleto o testemunho da Providência, tendo sido isso o que tivesse causado a negação da parte do povo, nada mais é que blasfêmia patente. Quanto estaria longe da graça do Todo-Generoso e pouco em harmonia com Sua providência benévola e Sua terna compaixão, escolher dentre todos os homens uma alma para guiar Suas criaturas e, por um lado, negar-lhe o testemunho divino em sua plenitude e, por outro, infligir severo castigo a Seu povo por se haver afastado de Seu Escolhido! Não, em todos os tempos, as múltiplas graças do Senhor de todos os seres têm abrangido a terra e todos os que nela habitam, através dos Manifestantes de Sua Essência Divina. Nem por um momento sequer, negou Ele a Sua graça; jamais as chuvas de Sua benevolência cessaram de cair sobre a humanidade. Tal conduta, pois, não pode ser atribuída senão à mesquinhez dessas almas que caminham no vale da arrogância e do orgulho, que se perdem na solidão do afastamento, se guiam por sua própria vã fantasia e seguem aquilo que ditam os dirigentes de sua fé. Sua preocupação principal é apenas a oposição; seu desejo único, desprezar a verdade. Para todo aquele que observe com discriminação, é claro e evidente que, se essas pessoas no tempo de cada um dos Manifestantes do Sol da Verdade tivessem santificado os olhos, os ouvidos e os corações de tudo o que haviam visto, ouvido e sentido, não teriam sido privados, certamente, de ver a beleza de Deus, nem se teriam desviado para longe das moradas da glória. Havendo, porém, pesado o testemunho de Deus segundo o padrão de seu próprio conhecimento derivado dos ensinamentos dos expoentes de sua Fé, e tendo verificado que estava em desacordo com a interpretação limitada deles, essas pessoas se levantaram para cometer tais atos indignos.

Os expoentes da religião, em cada era, têm impedido seu povo de atingir as plagas da salvação eterna, por haverem detido firmemente em suas poderosas mãos as rédeas da autoridade. Alguns por cobiça de poder, outros por falta de conhecimento e compreensão, privaram o povo desse bem. Por sua autoridade e sanção, todo Profeta de Deus sorveu do cálice do sacrifício e alçou vôo para as alturas da glória. Que crueldades indizíveis não infligiram essas autoridades e esses eruditos aos verdadeiros Monarcas do mundo, àquelas Jóias da virtude divina! Contentes com um domínio transitório, privaram-se de uma soberania eterna. Assim seus olhos não contemplaram a luz do semblante do Bem-Amado, nem seus ouvidos escutaram as suaves melodias da Ave do Desejo. Por essa razão todos os Livros Sagrados mencionam os sacerdotes de cada época. Assim Ele diz: “Ó povo do Livro! Por que és incrédulo dos sinais de Deus de que tu mesmo foste testemunha?” E diz mais: “Ó povo do Livro: Por que vestes a verdade com a mentira? Por que escondes, intencionalmente, a verdade?” E diz ainda: “Dize, ó povo do Livro, por que motivo desvias os crentes do caminho de Deus?” Evidentemente, o “povo do Livro” que desviou seus semelhantes do caminho reto de Deus não se refere senão aos sacerdotes da época, cujos nomes e caracteres foram mostrados nos livros sagrados e aos quais aludiram os versículos e as tradições neles registrados– se fordes observar com os olhos de Deus.

Com olhar fixo e constante, oriundo dos olhos infalíveis de Deus, contemplai detidamente o horizonte do Conhecimento Divino e considerai aquelas palavras de perfeição que o Eterno revelou, a fim de que talvez se vos tornem manifestos os mistérios da divina sabedoria, os quais se ocultaram, até agora, debaixo do véu da glória e estavam entesourados no tabernáculo da Sua graça. O que motivou, na maior parte, os protestos e negações desses dirigentes religiosos, foi sua falta de conhecimento e de compreensão. Jamais compreenderam ou sondaram aquelas palavras proferidas pelos Reveladores da beleza de Deus, Uno e Verdadeiro, as quais apontam os sinais destinados a anunciar o advento do futuro Manifestante. Ergueram, pois, o estandarte da revolta e instigaram malícia e sedição. Obviamente, o que, de fato, significam as palavras das Aves da Eternidade, não se revela senão àqueles que manifestam o Ser Eterno; e às melodias do Rouxinol da Santidade, nenhum ouvido atingirá, a não ser o dos habitantes do reino imperecível. O tirano copta jamais participará do cálice tocado pelos lábios do septa da justiça, e o Faraó da descrença não poderá esperar reconhecer jamais a mão do Moisés da verdade. Assim mesmo como Ele diz: “Ninguém sabe o que significa isso, a não ser Deus e aqueles que possuem conhecimento profundo.” E, no entanto, quiseram receber daqueles envoltos em véus a interpretação do Livro, recusando buscar na fonte primitiva do conhecimento, sua iluminação.

E quando findaram os dias de Moisés e surgiu a luz de Jesus, irradiando-se da aurora do Espírito e abrangendo o mundo, então todo povo de Israel levantou-se em protesto contra Ele, clamando que Aquele cujo advento a Bíblia predissera, forçosamente haveria de promover e cumprir as leis de Moisés, enquanto esse jovem nazareno, que tinha a pretensão de ser o divino Messias, anulara a lei do divórcio e a do sábado– as mais importantes de todas as leis de Moisés. Além disso, que dizer dos sinais do Manifestante que ainda haveria de vir? O povo de Israel, até mesmo no tempo presente, espera aquele Manifestante predito na Bíblia! Quantos Manifestantes da Santidade, quantos Reveladores da Luz eterna, têm aparecido desde o tempo de Moisés, enquanto Israel, envolto nos mais densos véus da fantasia satânica e das falsas idéias, ainda espera que o ídolo de sua própria inventiva apareça com os sinais criados por sua imaginação. Assim Deus o castigou pelos pecados, extinguiu-lhe o espírito de fé e o atormentou com as chamas do fogo infernal. E isso não por outra causa, senão porque Israel recusara compreender o significado das palavras reveladas na Bíblia relativas aos sinais da Revelação vindoura. Porque jamais compreendera seu verdadeiro sentido e porque tais acontecimentos, aparentemente, não se realizaram, esse povo permaneceu privado de reconhecer a beleza de Jesus e de contemplar o semblante de Deus. E ainda aguarda Sua vinda! Desde tempos imemoriais, até mesmo o dia de hoje, todas as raças e nações da terra apegam-se a tais pensamentos fantásticos e indignos e assim se privam das águas límpidas que emanam das fontes da pureza e santidade.

Ao desvendarmos esses mistérios, temos citado em Nossas Epístolas anteriores, endereçadas a um amigo, no idioma melodioso de Hijáz, alguns dos versículos revelados aos Profetas do passado. E agora, atendendo a vosso pedido, citaremos nestas páginas, novamente, aqueles mesmos versículos, pronunciados desta vez nos maravilhosos acentos do Iraque, para que talvez os sequiosos, nas solidões do afastamento, possam alcançar o oceano da Presença Divina, e aqueles que enlanguescem nos desertos da separação sejam conduzidos para a morada da reunião eterna. Assim podem as neblinas do erro ser dissipadas e a luz da verdade divina, em todo esplendor, amanhecer sobre o horizonte dos corações humanos. Em Deus pomos nossa confiança e Lhe imploramos ajuda, para que talvez mane desta pena aquilo que vivifique as almas dos homens, de modo que todos se levantem do leito da negligência e escutem o farfalhar das folhas do Paraíso, na árvore que a mão do poder divino, com a permissão de Deus, plantou no Ridván do Todo-Glorioso.

Para os dotados de compreensão, está claro e manifesto que, quando o fogo do amor de Jesus consumiu os véus das limitações judaicas e Sua autoridade se tornou evidente e foi em parte obedecida, Ele, o Revelador da Beleza invisível, dirigindo-se a um dia aos discípulos, fez referência a Seu traspasse e, acendendo-lhes no coração o fogo do pesar, disse: “Vou embora e venho outra vez a vós.” E em outro lugar disse: “Vou e outro virá que vos há de dizer tudo o que Eu não vos disse, e cumprirá tudo o que Eu disse.” As duas declarações significam o mesmo– se meditardes, com percepção divina, sobre os Manifestantes da Unidade de Deus.

Quem examinar com discernimento haverá de reconhecer que tanto o Livro como a Causa de Jesus foram confirmados na Era do Alcorão. Quanto a nomes, o próprio Maomé declarou: “Eu sou Jesus.” Ele reconheceu a verdade dos sinais, profecias e palavras de Jesus, e testificou serem todos de Deus. Nesse sentido, nem a pessoa de Jesus nem Seus escritos diferiram da pessoa de Maomé e de Seu sagrado Livro, visto que ambos defenderam a Causa de Deus, louvaram-No e revelaram os Seus mandamentos. Assim foi que o próprio Jesus declarou: “Vou embora e venho outra vez a vós.” Considerai o sol. Se dissesse agora, “Sou o sol de ontem”, diria a verdade. E se, levando em conta a seqüência do tempo, pretendesse ser outro sol, estaria ainda dizendo a verdade. De modo semelhante, se dissermos que todos os dias são o mesmo, isso será certo e verdadeiro; e se, referindo-nos a seus nomes e designações especiais, dissermos que diferem, isso também será verdade. Pois embora sejam iguais, se reconhece em cada um, no entanto, uma designação separada, um atributo específico, um caráter particular. Deves conceber, semelhantemente, a distinção, a diversidade e, ao mesmo tempo, a unidade, que caracterizam os vários Manifestantes da Santidade, para que possas compreender as alusões que o Criador de todos os nomes e atributos faz aos mistérios da distinção e da unidade, e descobrir a resposta à tua pergunta sobre a razão por que a Beleza Eterna, em várias épocas, tem sido chamada por nomes e títulos diferentes.

Mais tarde, os companheiros e discípulos de Jesus Lhe perguntaram a respeito daqueles sinais que haveriam necessariamente de assinalar o regresso de Seu Manifestante. Quando, perguntaram eles, sucederiam essas coisas? Várias vezes interrogavam aquela Beleza incomparável, e Esta, todas às vezes que lhes respondia, indicava um sinal especial que haveria de prenunciar o advento da Era prometida. Disso dão testemunhos os relatos dos quatro Evangelhos.

Este Injuriado citará apenas um desses exemplos, e assim, por amor a Deus, concederá à humanidade graças ainda ocultas dentro do tesouro da Árvore secreta e santa, para que, porventura, os homens mortais não se privem de seu quinhão do fruto imortal, e sim, adquiram uma gota das águas da vida eterna, as quais, de Bagdá– “Morada da Paz”– estão sendo concedidas a todo o gênero humano. Não pedimos galardão nem recompensa alguma. “Nutrimos as vossas almas por amor a Deus; nenhuma remuneração buscamos de vós, nem agradecimento.” Isso é o alimento que confere a vida eterna aos puros de coração e iluminados de espírito. É o pão de que se diz: “Senhor, faze descer sobre nós Teu pão do céu.” Esse pão jamais será negado a quem o merecer, nem poderá jamais faltar. Cresce eternamente na árvore da graça; em todos os tempos, desce dos céus da justiça e misericórdia. Assim mesmo como Ele diz: “Não vês aquilo a que Deus assemelha a boa palavra?– A uma boa árvore; sua raiz está firmemente presa e seus ramos se estendem até o céu, dando seus frutos em todas as estações.”

Oh, que lástima! o homem privar-se de tão boa dádiva, dessa graça imperecível, dessa vida eterna! Cumpre-lhe apreciar esse alimento que vem do céu, a fim de que, através dos maravilhosos favores do Sol da Verdade, os mortos possam talvez ressuscitar e as almas decaídas serem reanimadas pelo Espírito infinito. Apressa-te, ó meu irmão, para que nossos lábios provem a poção imortal enquanto ainda houver tempo, pois o alento da vida, que ora sopra da cidade do Bem-Amado, não poderá durar e a copiosa corrente das palavras santas haverá forçosamente de parar; nem poderão os portais do Ridván para sempre se manter abertos. Dia virá, seguramente, em que o Rouxinol do Paraíso terá alçado vôo de sua morada terrena para o ninho celestial. Então, sua melodia não mais se fará ouvir, nem a beleza da rosa será realçada. Aproveita, pois, o tempo, antes que finde a glória da primavera divina e a Ave da Eternidade haja deixado de cantar Sua melodia, para que teu ouvido interior não se prive de escutar o Seu chamado. É este Meu conselho a ti e aos amados de Deus. Quem quiser, que a Ele se dirija; quem não quiser, que se afaste. Deus, em verdade, é independente dele e daquilo que ele possa ver e testemunhar.

São estas as melodias entoadas por Jesus, Filho de Maria, em acentos de majestoso poder no Ridván do Evangelho, revelando aqueles sinais que haverão de prenunciar o advento do Manifestante subseqüente. No primeiro Evangelho, segundo São Mateus, está escrito: E quando perguntaram a Jesus acerca dos sinais de Sua vinda, Ele lhes disse: “E, logo depois da aflição daqueles dias, escurecerá o sol e a lua não dará a sua claridade, e as estrelas cairão do céu, e os poderes da terra serão abalados; e então aparecerá o sinal do Filho do homem no céu; e, então, todos os povos da terra chorarão e verão o Filho do homem, que virá sobre as nuvens do céu com grande poder e majestade. E enviará os seus anjos com trombetas e com grande voz.” Traduzidas para a língua persa, essas palavras significam o seguinte: Quando se tiverem realizado a opressão e as aflições destinadas a cair sobre a humanidade, então o sol será impedido de brilhar e a lua de irradiar, as estrelas do céu cairão sobre a terra e os pilares da terra tremerão. Nesse tempo, os sinais do Filho do homem aparecerão no céu, isto é, Ele, a prometida Beleza e Substância da vida, sairá do reino do invisível, quando tiverem aparecido esses sinais, e entrará no mundo visível. E Ele diz: nesse tempo todos os povos e raças que habitam a terra chorarão e lamentarão e verão aquela Beleza divina vir do céu sobre as nuvens, com poder, grandeza e magnificência, enviando Seus anjos com grande som de trombeta. De modo semelhante, nos três outros Evangelhos, segundo São Lucas, São Marcos e São João, as mesmas afirmações são relatadas. Já que a elas nos temos referido minuciosamente, em Nossas Epístolas reveladas na língua árabe, não as mencionamos nestas páginas; limitando-nos a uma referência apenas.

Porque os sacerdotes cristãos não puderam compreender o que significam essas palavras, nem perceber seu fim e propósito, preferindo ater-se à interpretação literal das palavras de Jesus, privaram-se, portanto, da abundante graça da Revelação Maometana e de suas copiosas bênçãos. Os ignorantes dentro da comunidade cristã, seguindo o exemplo dos expoentes de sua Fé, forma de igual modo impedidos de contemplar a beleza do Rei da Glória, por não se haverem realizado os sinais que deveriam acompanhar o nascer do sol da Era Maometana. Assim têm passado épocas e decorrido séculos, e aquele puríssimo Espírito já se retirou para as plagas de sua soberania antiga.

Ainda outra vez o Espírito eterno soprou na trombeta mística e fez os mortos apressarem-se, de suas sepulturas da negligência e do erro, para o reino da guia e da graça. Entretanto, aquela comunidade, ansiosa, ainda exclama: “Quando sucederão essas coisas? Quando se manifestará o Prometido, objeto de nossas esperanças, de modo que nos possamos levantar para o triunfo da Sua Causa, sacrificar a nossa substância por amor a Ele e oferecer as nossas vidas em Seu caminho? De maneira semelhante, por causa de tais imaginações falsas, outras comunidades têm se desviado do Kawthar da infinita misericórdia da Providência e se ocupado com seus próprios pensamentos vãos.

Além desse trecho, há ainda outro versículo no Evangelho em que Ele diz: “Passará o céu e a terra, mas as Minhas palavras não hão de passar.” Assim foi que os adeptos de Jesus afirmaram que a lei do Evangelho jamais será anulada e que, ao manifestar-se a prometida Beleza e revelarem-se todos os sinais, Ele deverá reafirmar e estabelecer a lei proclamada no Evangelho, de modo a não deixar no mundo outra Fé senão a Sua. É essa a crença fundamental que sustentam, e com tal convicção que, se alguém se manifestasse com todos os sinais prometidos, mas promovesse algo contrário à letra da lei do Evangelho, eles, seguramente, haveriam de repudiá-lo, recusar submeter-se à sua lei, declará-lo um infiel e rir-se dele até o escárneo. Isso é provado por aquilo que sucedeu quando o sol da Revelação Maometana se revelou. Se tivessem, com humildade de espírito, buscado dos Manifestantes de Deus, em cada Era, o que realmente significam essas palavras reveladas nos Livros Sagrados– palavras cuja interpretação errônea faz os homens se privarem do conhecimento do Sadratu´l-Muntahá, o Objeto final– eles, certamente, teriam sido guiados à luz do Sol da Verdade e teriam descoberto os mistérios da sabedoria e dos conhecimentos divinos.

Este servo repartirá agora contigo uma gota do oceano insondável das verdades entesouradas nessas sagradas palavras, a fim de que os corações discernentes possam talvez compreender todas as alusões e implicações contidas nas palavras dos Manifestantes da Santidade, de modo que a inexcedível majestade da Palavra de Deus não os impeça de atingir o oceano dos Seus nomes e atributos, nem os prive de reconhecer a Lâmpada de deus, que é a sede da revelação de Sua glorificada Essência.

Quanto às palavras– “Logo depois da aflição daqueles dias”– elas se referem ao tempo em que os homens serão oprimidos e aflitos; o tempo em que nem sequer os mais ligeiros traços do Sol da Verdade restarão, quando o fruto da Árvore do conhecimento e da sabedoria houver desaparecido do meio dos homens e as rédeas da humanidade tiverem caído nas mãos dos insensatos e ignorantes, quando se tiverem fechado os portais da divina unidade e compreensão– desígnio essencial e o mais elevado da criação– quando o conhecimento certo tiver cedido lugar à vã fantasia e a corrupção usurpado a posição da justiça. Condições como essas se verificam, hoje, havendo já as rédeas de cada comunidade caído nas mãos de dirigentes insensatos, que guiam segundo os próprios caprichos e desejos. A menção de Deus, na sua língua, tornou-se um nome vazio; em seu meio, Sua santa Palavra é apenas uma letra morta. Tal é o predomínio de seus desejos, que a lâmpada da consciência e do raciocínio se acha apagada em seus corações e isso, não obstante haverem os dedos do poder divino descerrado os portais do conhecimento de Deus, e a luz do conhecimento divino e da graça celestial ter iluminado e inspirado a essência de todas as coisas criadas, de modo que, em cada uma, desde a menor, se abriu uma porta para o conhecimento e dentro de cada átomo os sinais do sol se manifestaram. E, no entanto, apesar de todas essas múltiplas revelações do conhecimento divino que têm circulado pelo mundo, eles ainda imaginam, futilmente, que a porta do conhecimento está fechada e as chuvas da graça têm cessado. Apegando-se à vã fantasia, desviaram-se para longe do ´Urvatu´l-Vuthqá (20) do conhecimento divino. Parece que os corações não se inclinam para o conhecimento, nem para a porta que a este conduz, e tampouco pensam eles em suas manifestações, havendo em sua vã fantasia encontrado a porta que conduz às riquezas terrenas enquanto que, na manifestação do Revelador do conhecimento, encontram apenas o apelo ao sacrifício. Naturalmente, pois, seguram a primeira com tenacidade, enquanto fogem da última. Embora em seus corações reconheçam ser uma só a Lei de Deus, emitem de toda parte, no entanto, um novo mandamento e proclamam em cada estação um decreto novo. Não se encontram duas pessoas que estejam de acordo sobre a mesma lei, pois não procuram outro Deus senão o próprio desejo, e nenhum caminho trilham exceto o do erro. Vêem no prestígio o objetivo final de seus esforços; e consideram o orgulho e a arrogância como sendo o cumprimento supremo do desejo de seu coração. Julgam que suas sórdidas maquinações sejam superiores ao decreto divino; recusam resignar-se à vontade de Deus; ocupam-se em planos egoístas e seguem pelos caminhos da hipócrita. Com todo o seu poder e todas as suas forças, tentam assegurar-se em suas ocupações triviais, receosos de que o menor descrédito venha a minar-lhes a autoridade ou macular a magnificência que ostentam. Fossem os seus olhos ungidos e esclarecidos com o colírio do conhecimento de Deus, descobririam, certamente, que numerosos animais vorazes se têm juntado para rapina, visando os cadáveres que são as almas dos homens.

Qual a “aflição” maior do que essa a que aludimos? Qual a “aflição” mais penosa do que a de uma alma em busca da verdade, desejosa de atingir o conhecimento de Deus, mas que não sabe onde ir ou de quem buscá-lo? Pois as opiniões têm divergido lastimavelmente e os caminhos que conduzem a Deus se multiplicaram. Essa “aflição” é a característica essencial de toda Revelação. Sem que isso suceda, o Sol da Verdade não se manifestará, porque o amanhecer da luz divina só virá guiar-nos após as trevas da noite do erro. Por essa razão, em todas as crônicas e tradições, há referência a essas coisas, isto é, que a iniqüidade cobrirá a superfície da terra e a escuridão envolverá a humanidade. Como as referidas tradições são assaz conhecidas, e porque este servo deseja brevidade, Ele não citará o texto dessas tradições.

Se essa “aflição” (que significa, literalmente, pressão) fosse interpretada como contração da terra, ou se a vã fantasia dos homens imaginasse calamidades similares destinadas a cair sobre a humanidade, é claro e óbvio que essas coisas jamais sucederão. Eles, seguramente, objetarão que esse requisito da revelação divina não se manifestou. Tal foi, e ainda é seu argumento. A “aflição”, porém, significa a falta de capacidade para adquirir conhecimentos espirituais e compreender a Palavra de Deus. Significa que, ao se pôr o Sol da Verdade e ao se partirem os espelhos que refletem Sua luz, sofrerá a humanidade “aflição” e dificuldades, não sabendo aonde se dirigir para ser guiada. Assim Nós te instruímos na interpretação das tradições e te revelamos os mistérios da sabedoria divina, para que tu possas talvez entender o seu significado e ser um daqueles que sorveram do cálice da compreensão e dos conhecimentos divinos.

E agora, quanto às Suas palavras– “Escurecer-se-á o sol, e a lua não dará a sua claridade e as estrelas cairão do céu”. Os termos “sol” e “lua” mencionados nos escritos dos Profetas de Deus não só se referem ao sol e à lua do universo visível, mas, antes, são múltiplos os sentidos em que se usam esses termos; em cada instância, lhes tem sido dada uma significação especial. Assim, por “sol”, em um sentido, entendem-se aqueles Sóis da Verdade que surgem do amanhecer da glória antiga, enchendo o mundo da graça abundante provinda do alto. Esses Sóis da Verdade são os universais Manifestantes de Deus nos mundos dos Seus atributos e nomes. Semelhantes ao sol visível que, segundo decretou Deus, o Verdadeiro, o Adorado, assiste ao desenvolvimento de todas as coisas terrenas– das árvores, frutas e suas cores, dos minerais da terra e de tudo o que se vê no mundo criado– os Luminares divinos, também, com seu terno cuidado e sua influência educativa, causam a existência e a manifestação das árvores e dos frutos da unidade de Deus, das folhas do desprendimento, das flores do saber e da certeza, e das murtas da sabedoria e de sua expressão. Assim é que, com o surgir desses Luminares de Deus, o mundo se renova, as águas da vida eterna manam, as ondas da benevolência se intumescem; juntam-se as nuvens da graça e sobre todas as coisas criadas sopra a brisa da generosidade. É o ardor que desses Luminares de Deus promana, é a chama imorredoura por eles acesa, que faz arder intensamente no coração da humanidade a luz do amor de Deus. É mediante a graça abundante desses Símbolos do Desprendimento que o Espírito da vida eterna se insufla nos corpos dos mortos. Certamente, o sol visível é apenas um sinal do esplendor desse Sol da Verdade, desse Sol que jamais terá igual, semelhante ou êmulo. É por Seu intermédio que todas as coisas vivem, se movem e têm existência. Através de Sua graça, manifestam-se e a Ele todos voltam. N´Ele, todas as coisas se originaram e para o tesouro da Sua Revelação todas se têm recolhido. D´Ele, procederam todas as coisas criadas e para os depositários da Sua lei elas reverteram.

Esses Luminares divinos parecem limitar-se, às vezes, a designações e atributos específicos, assim como tendes observado e estais agora observando, mas isso é só por causa da compreensão imperfeita, restrita, de certas mentalidades. A não ser isso, eles sempre foram, em todos os tempos, e continuarão sendo por toda a eternidade enaltecidos acima de qualquer nome laudatório e santificados além de qualquer atributo descritivo. A quinta-essência de nome algum pode esperar ter acesso à sua corte de santidade, e os mais elevados e puros de todos os atributos jamais se aproximarão do seu reino de glória. Os Profetas de Deus estão incomensuravelmente elevados acima da compreensão dos homens e jamais poderão estes os conhecer de outro modo senão por Eles mesmos. Longe de Sua Glória permitir que Seus Escolhidos sejam enaltecidos por qualquer outro, senão por si próprios. Glorificados estão Eles acima do louvor dos homens; excelsos além da compreensão humana!

Nos escritos das “Almas imaculadas”, o termo “sóis” foi aplicado muitas vezes aos Profetas de Deus, àqueles luminosos Emblemas do Desprendimento. Entre esses escritos se encontram as seguintes palavras registradas na “Oração de Nudbih”: “Para onde foram os Sóis resplandecentes? Para onde partiram aquelas Luas esplendorosas e Estrelas cintilantes?” Tornou-se, assim, evidente que os termos “sol”, “lua” e “estrelas” significam primariamente os Profetas de Deus, os santos e seus companheiros– aqueles Luminares cujo conhecimento se irradiou sobre os mundos visíveis e invisíveis.

Em outro sentido, esses termos se referem aos sacerdotes da Era passada que ainda vivem no tempo das Revelações subseqüentes, e que seguram nas mãos as rédeas da religião. Se esses sacerdotes forem iluminados com a luz da Revelação posterior, tornar-se-ão aceitáveis aos olhos de Deus e brilharão com luz eterna. De outro modo, ainda que sejam aparentemente os mais prestigiosos entre os homens, serão declarados obscurecidos, já que a crença e a descrença, a certeza e o erro, a felicidade e a desventura, a luz e a escuridão, dependem, todos eles, da sanção de Quem é o Sol da Verdade. Qualquer um dentre os sacerdotes de cada era que, no Dia do Juízo, vier a receber da Fonte do conhecimento verdadeiro o testemunho da fé, será, em verdade, favorecido com a graça divina, com a erudição e a luz da verdadeira compreensão. Em caso contrário, será estigmatizado como um insensato, convicto de negação, blasfêmia e opressão.

É claro e evidente, a cada um que observe com discernimento, que, assim como a luz da estrela se esvai ante o refulgente esplendor do sol, do mesmo modo o luminar do conhecimento terreno, da compreensão e sabedoria, se desvanece completamente diante das glórias resplandecentes do Sol da Verdade, do Sol da iluminação divina.

O fato de se haver aplicado aos dirigentes da religião o termo “sol” é em virtude de sua alta posição, seu renome e fama. Referimo-nos aos sacerdotes universalmente reconhecidos em cada época, os quais falam com autoridade e cuja fama está seguramente confirmada. Se forem parecidos com o Sol da Verdade, serão julgados, certamente, os mais nobres de todos os luminares; em caso contrário, serão reconhecidos como pontos irradiantes de fogo infernal. Assim como Ele diz: “Em verdade, o sol e a lua são ambos condenados ao tormento do fogo infernal.” Conheceis, sem dúvida, a interpretação dos termos “sol” e “lua” mencionados nesse versículo; desnecessária é, pois, a sua referência. E quem quer que participe do elemento desse “sol” e dessa “lua”, isto é, que siga o exemplo desses líderes que se dirigem à falsidade e se afastam daquilo que é verdadeiro, provém, indubitavelmente, das trevas infernais e a estas haverá de voltar.

E agora, ó vós que buscais, cumpre-nos aderir firmemente ao ´Urvatu´l-Vathqá, para que possamos, porventura, deixar atrás a tenebrosa noite do erro e abraçar a luz nascente da guia divina. Não deveremos fugir da face da negação e buscar o amparo da certeza? Não nos deveremos livrar do horror das trevas satânicas e apressar-nos para a luz matutina da Beleza celestial? De tal modo Nós vos concedemos o fruto da Árvore do conhecimento divino para que possais habitar, com alegria e regozijo, no Ridván da sabedoria divina.

Em outro sentido, pelos termos “sol”, “lua” e “estrelas” se entendem leis e ensinamentos estabelecidos e proclamados em cada Era, como, por exemplo, as leis da oração e do jejum. Segundo a lei do Alcorão, tais leis, quando a beleza do Profeta Maomé passara além do véu, foram consideradas as mais fundamentais e invioláveis de Sua Era. Isso é comprovado pelos textos das tradições e crônicas que, por serem tão largamente conhecidas, não precisam de menção aqui. Ainda mais, em cada Era, a lei relativa à oração ocupa um lugar saliente, sendo universalmente executada. Isso atestam as tradições registradas que se atribuíram às luzes provenientes do Sol da Verdade, da essência do Profeta Maomé.

As tradições estabeleceram o fato de que, em todas as Eras, a lei da oração constitui elemento fundamental da Revelação de todos os Profetas de Deus– lei essa cuja forma e cujo modo se adaptam às várias necessidades próprias de cada época. Desde que cada Revelação subseqüente venha a abolir os modos, hábitos e ensinamentos que a Era anterior estabelecera clara, específica e firmemente, estes se expressam, em sentido simbólico, pelos termos “sol” e “lua”. “A fim de que Ele vos pudesse submeter à prova, para mostrar qual de vós sobressai em ações.”

Além disso, segundo as tradições, os termos “sol” e “lua” se aplicam à oração e ao jejum, assim como se diz: “O jejum é iluminação, a prece é luz.” Certo dia, um sacerdote muito conhecido veio Nos visitar. Enquanto conversávamos, ele se referiu à tradição anteriormente citada, dizendo: “Como o jejum faz aumentar o calor do corpo, nós o temos comparado, pois, à luz do sol; e como a oração à noite refresca o homem, diz-se ser semelhante ao esplendor da lua.” Percebemos então que esse pobre homem não fora favorecido com nem sequer uma gota do oceano do verdadeiro entendimento e se desviara muito longe da Sarça ardente da sabedoria divina. Assim lhe dissemos gentilmente: “A interpretação que Vossa Excelência deu a essa tradição é a corrente entre o povo. Não se poderia interpretá-la de uma maneira diferente?” Ele perguntou, “Que poderia ser”?” E replicamos: “Maomé, o Selo dos Profetas, o mais ilustre dos Escolhidos de Deus, comparou a Era do Alcorão ao céu, por causa de seu elevado grau, sua influência predominante, sua majestade, e porque compreende todas as religiões. E como o sol e a lua constituem os astros mais brilhantes e proeminentes do céu, do mesmo modo foram ordenados, no céu da religião de Deus, dois orbes radiantes– o jejum e a oração. “O islã é o céu; o jejum é seu sol, e a oração sua lua.”

Esse é o propósito fundamental das palavras simbólicas dos Manifestantes de Deus. Por conseguinte, a aplicação dos termos “sol” e “lua” às coisas já citadas, se demonstrou e justificou segundo o texto dos sagrados versículos e das tradições registradas. Assim, pois, está claro e evidente que as palavras– “escurecer-se-á o sol, e a lua não dará a sua claridade e as estrelas cairão do céu”– se referem à perversidade dos sacerdotes e à anulação das leis firmemente estabelecidas pela Revelação Divina, tudo o que foi predito, em linguagem simbólica, pelo Manifestante de Deus. Ninguém, a não ser o justo, participará desse cálice; ninguém, salvo o piedoso, dele terá um quinhão. “O justo beberá de um cálice temperado na fonte de cânfora.”

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