Os Sete Vales
Bahá’u’lláh
1:15 h Bahá’í 33.6 mb
A Jornada de um peregrino em busca do Ser Eterno Bahá’u’lláh 4a edição - 2001 Tradução: Leonora Armstrong e Luis Henrique Beust

Os Sete Vales


Bahá’u’LLáh,

Uma breve biografia

MIRZÁ HUSAYN-‘ALI, posteriormente conhecido pelo título de Bahá’u’lláh, nasceu a 12 de novembro de 1817 em Teerã, capital da Pérsia. Filho de proeminente Ministro do Xá, Bahá’u’lláh descendia de linhagem nobre, sendo membro de uma das mais ilustres famílias de Seu país. Desde tenra idade, demonstrou possuir nobreza de caráter e capacidade rara. Quando contava com cerca de treze anos, tornou-se célebre pelos Seus conhecimentos, resolvendo intrincadas questões que Lhe eram apresentadas por sábios e sacerdotes. Anos mais tarde, revelaria sua identidade: Meu nome é Bahá’u’lláh e minha terra natal é Núr. A corte e as vantagens que esta Lhe oferecia nunca ocuparam o centro de Suas atenções e, em 1839, com a perda do pai, Bahá’u’lláh recusa o cargo do Ministro, então hereditário. Consta que o então Primeiro-Ministro do teria comentado: Deixai-O. Tal posição não lhe é digna. Ele tem em vista algum ideal mais elevado… Seus pensamentos não são iguais aos nossos. Deixai-O.

A partir de 1844, a vida de Bahá’u’lláh sofre uma mudança profunda. Aliando-se a um líder religioso de nome Ali Muhammad (o Báb), que se levantara para transformar os destinos do Islã, Bahá’u’lláh torna-Se uma das principais forças libertárias de Seu país, o ponto focal de um movimento de transformação da sociedade persa do século XIX. Em Seus escritos, exorta os governos do mundo a observarem a justiça, defende a harmonia essencial entre a religião e ciência e coloca-se favorável à causa da emancipação da mulher, obrigada, naquele tempo, a ocultar a face sob um véu.

Estas idéias, então revolucionárias, acabam provocando ódio e animosidade no clero muçulmano e, em 1850, o Báb é martirizado em praça pública. Nos meses subseqüentes, milhares de militantes e simpatizantes do movimento são perseguidos e mortos das formas mais brutais.

A força dos preceitos do Báb e de Bahá’u’lláh, o heroísmo de Seus pares e a esperança de reformas estruturais que o movimento acendera em uma terra obscura haviam, no entanto, ultrapassado as fronteiras da Pérsia e exercido poderosa atração sobre eminentes personalidades européias tais como Ernest Renan, Sarah Bernhardt, Edward Granville Browne, Leon Tolstoi e o Conde de Gobineau, entre outros.

Em virtude de Sua reputação pessoal elevada, Bahá’u’lláh não é condenado à morte; porém, a partir de 1852, sobre um exílio perpétuo com Sua família e um grupo de companheiros. Acredita o governo persa que, dessa forma, pode anular Sua influência e extinguir o ardor provocado por Suas idéias. O efeito, no entanto, é o contrário. Deportado sucessivamente para Bagdá, no Iraque; Constantinopla e Adrianópolis, na Turquia; e ‘Akká, em Israel, Bahá’u’lláh vai conquistando um número cada vez maior de amigos e admiradores.

Durante um longo exílio, que chega a durar quase quarenta anos, Bahá’u’lláh produz mais de uma centena de obras, na forma de epístolas, odes, ensaios, preces e meditações. Datam do período de Sua permanência no Iraque, dois de Seus principais Escritos: As Palavras Ocultas (1858), uma coletânea de conselhos éticos e meditações místicas e O Livro da Certeza (1862), uma exposição abrangente sobre a natureza e o propósito da religião. É também, dessa mesma época, um ensaio que bem pode ser considerado como Sua maior realização no campo da prosa mística: Os Sete Vales (1862), narrativa épica que descreve a jornada da alma na senda espiritual.

De Adrianópolis e, mais tarde, de ‘Akká, última etapa de Seu exílio, Bahá’u’lláh dirige-se aos governantes e líderes religiosos do mundo através de uma série de epístolas que se situam entre os documentos mais extraordinários da história da religião. Elas proclamam a eminente unificação da humanidade e o surgimento de uma civilização mundial. O majestoso âmbito de Seus conselhos e admoestações tem conquistado, desde então, a imaginação e a lealdade de milhões de pessoas, de todas as raças e classes, do mundo inteiro.

Em 1892, finda a vida de Bahá’u’lláh em ‘Akká, Israel. Suas reflexões sobre um mundo unido, sem fronteiras, no entanto, abarcavam o Oriente e Ocidente. O romancista Leon Tolstoi, uma das proeminentes figuras a conhecer Sua obra, legaria o seguinte testemunho à posteridade: Passamos nossas vidas nos esforçando por desvendar os mistérios do universo e é um prisioneiro persa, Bahá’u’lláh, em ‘Akká, na Terra Santa, quem possui a chave. …Os ensinamentos de Bahá’u’lláh nos apresentam agora a forma mais elevada e pura do ensinamento religioso.

Bahá’u’lláh desenvolveu em Seus escritos um modelo de sociedade onde a mais amada de todas as coisas é a justiça e onde a base moral para as relações e instituições humanas advém dos ensinamentos éticos e espirituais revelados à humanidade pelos Fundadores das religiões universais, sendo, Ele próprio, o mais recente nesta linhagem de Reveladores. Em Suas obras, discorre sobre uma ampla gama de assuntos que vão desde temas sociais, como a harmonia entre as raças, a igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres, a eliminação de toda espécie de preconceitos e a necessidade de um idioma auxiliar internacional, até questões eminentemente morais e espirituais, tais como a noção de Deus, o valor da virtude, a imortalidade da alma, a finalidade da vida, o sentido da e o papel das sucessivas revelações divinas como força motriz da civilização.

A atualidade e a importância do pensamento de Bahá’u’lláh residem no fato de haver Ele postulado uma nova e coerente visão do homem e do mundo que o cerca, formulado uma teoria universal da história e elaborado um corpo de Escrituras que propõem novas formas de tratar os assuntos básicos da vida. A terra é um país, e a humanidade, seus cidadãos é uma de Suas frases mais célebres. Para um mundo exageradamente racionalista que experimenta, hoje, uma nostalgia do sagrado, fruto do fracasso dos atuais sistemas de pensamento e visões do mundo em satisfazer as necessidades intrínsecas de uma humanidade em constante evolução, a mensagem de Bahá’u’lláh transmite uma sensação de infinitude, dirigindo-se ao que de mais puro e elevado no espírito humano.


Introdução

À EDIÇÃO INGLESA

O Haft-Vadí, ou Sete Vales, é um belo ensaio místico que revela a mais íntima essência da busca do peregrino por obter acesso ao Inacessível Deus. Foi escrito por Bahá’u’lláh, provavelmente nos anos finais da década de 1850, e faz parte de uma carta dirigida a um sábio e inquiridor Shaykh de nome Muhyí’d-Dín. Bahá’u’lláh (no árabe, literalmente: A Glória de Deus), foi o Profeta-Fundador do Movimento Bahá’í, o qual, a partir de seus primórdios em 1863, veio a tornar-se uma religião mundial.

Porém, ao tempo dessa correspondência, Bahá’u’lláh não havia ainda tornado conhecida Sua missão profética. De fato, o Shaykh pode haver conhecido Bahá’u’lláh, inicialmente, pelo nome de Dervísh Muhammad-i-Írání. Antes de Sua proclamação e de Seu ministério público ativo, Bahá’u’lláh escolhera esse nome durante um período de afastamento e reclusão nas montanhas desoladas do Curdistão. Por dois anos (10 de abril de 1854 a 19 de março de 1856), Ele viveu, em estado de penúria material, e, em Suas palavras, comungou com Deus (Meu espírito) alheio ao mundo e a tudo o que nele existe. Este período de afastamento foi talvez, sob certos aspectos, equivalente à reclusão de Jesus no deserto. Durante esse período, aqueles que tiveram a oportunidade de entrar em contacto com Ele ficaram profundamente impressionados com a santidade de Seu caráter e com Seu profundo conhecimento místico. Sua fama espalhou-se, e logo muitas pessoas passaram a procura-Lo na esperança de se beneficiarem de Seu discernimento espiritual.

O Shaykh Muhyí’-d-Dín foi um desses admiradores de Bahá’u’lláh que chegou a desfrutar de contato amigável e respeitoso com Ele. O Shaykh, além disso, estava aparentemente bem familiarizado com os escritos de certos místicos muçulmanos. Ao ler Os Sete Vales de Bahá’u’lláh, estamos, na realidade, lendo uma extensa resposta a uma carta do Shaykh Muhyí’-d-Dín, uma vez escrito a Bahá’u’lláh para com Ele compartilhar suas próprias idéias e interpretações acerca de pensamento e da literatura místicos. Ele havia inclusive solicitado de Bahá’u’lláh respostas para questões relativas a certos poemas místicos. Parece ter especialmente indagado a respeito daquilo que é em geral considerado como a jornada mística do peregrino desde o plano de criação à esfera do Absoluto (Deus).

A julgar pela estrutura da carta de Bahá’u’lláh, e pelas referências nela contidas, torna-se evidente que Ele escolheu expressar Suas respostas na terminologia e forma que eram familiares àqueles iniciados na literatura mística do islã. O argumento central de Sua carta ao Shaykh utiliza, como veículo principal de expressão, a metáfora dos sete vales que se encontra na parte conclusiva do mais célebre e apreciado trabalho de Faridu’d-Dín Attár, A Linguagem dos Pássaros (Manteq at-Tair).*

Entre alguns místicos muçulmanos, a obra de Attár era considerada como uma exposição poética das verdades mais importantes e profundas entesouradas nos Livros Sagrados, particularmente no Alcorão. Os escritos de Attár, assim como os de Háfiz, Rumí e de outros místicos muito conhecidos, conquistaram, entre alguns, autoridade e importância secundárias apenas ao próprio Alcorão Sagrado, da mesma forma como a Cidade de Deus, de Santo Agostinho, e os escritos de outros dos primeiros Padres da Igreja gozaram, outrora, de um respeito certas vezes idêntico àquele dedicado aos inspirados escritos dos Apóstolos de Jesus.

De certa forma, Os Sete Vales de Bahá’u’lláh podem ser considerados, essencialmente, como uma nova apresentação, uma ratificação e uma elucidação da verdade e do caminho místicos. Em todo o mundo, místicos de todas as grandes tradições religiosas têm compartilhado três preocupações centrais: purificação, iluminação e união. Falando de um modo geral, todos os místicos têm reconhecido que a purificação em relação às coisas deste mundo, bem como a santificação, são necessárias para se alcançar o verdadeiro conhecimento espiritual, ou iluminação. É através desses passos gêmeos de purificação e iluminação que o buscador místico espera atingir sua meta definitiva: a união com a Realidade absoluta e eterna. Esses três elementos perenes do misticismo são todos afirmados nos ensinamentos de Bahá’u’lláh. Todavia, ao longo do caminho desta jornada espiritual, muitos místicos confundiram um ou outro aspecto ou estágio da viagem com a própria meta final, ou, ao tentar descrever o indescritível, levaram outros a conceber o Absoluto de acordo com sua própria imaginação limitada.

Visto que Bahá’u’lláh confirma e volta a expor as verdades universais da trilha mística, Ele, por conseguinte, rompe certos conceitos e crenças panteístas e antropomórficas nos quais alguns místicos se enredaram em meio à jornada.

Tais idéias são vistas como incompatíveis com a verdadeira realidade de Deus, a qual é mostrada como totalmente livre de todas as limitações corpóreas sendo, portanto, inacessível. Bahá’u’lláh confirmada a necessidade de o buscador tornar-se santificado de todos os apegos materiais e limitações intelectuais que possam impedi-lo de atingir a presença de Deus, mas declara que a única forma de se chegar à presença divina ou à união com Deus é reconhecendo a Manifestação de Deus e submetendo-se à Sua vontade.

Esta é, talvez, a característica mais distintiva e o propósito central da dissertação de Bahá’u’lláh a respeito da jornada mística. Por união perpétua com Deus entende-se que os homens deveriam fundir suas vontades inteiramente com a vontade de Deus. O conhecimento da vontade de Deus é revelado através dos Seus designados Mensageiros. Como as necessidades de cada época são diferentes, Deus revela de que forma Sua vontade deve ser expressa num modo que seja adequado para cada época. Para conhecer e seguir a vontade de Deus deve-se, portanto, reconhecer o “Manifestante”, ou Mensageiro de Deus, para o período em que se vive. É por esta razão que todos os Manifestantes afirmaram não haver outro caminho, exceto através dEles.

A meta da trilha mística, por conseguinte, é tornar-se santificado de tudo que impeça o buscador de reconhecer e entender os ensinamentos e o exemplo do Manifestante de Deus para a época em que se vive. A benção e importância de se reconhecer a Manifestação de Deus é, portanto, traço característico da elucidação de Bahá’u’lláh. No entanto, embora o pensamento sufi tivesse buscado sua maior inspiração nas Escrituras reveladas por Maomé, e em menor grau em outros Livros Sagrados, muitos sufis descuidaram de reconhecer adequadamente a autoridade e grau daqueles Seres que transmitiram estas Revelações Divinas.

Na época em que Bahá’u’lláh escreveu Os Setes Vales para Shaykh Muhyí’-d-Dín, a história religiosa achava-se no período intermediário entre os adventos de dois desses potentes e inspiradores Mensageiros. O Profeta persa Báb (no árabe: Porta) havia começado Seu ministério em 1844, anunciando a iminente aparição dAquele predito nas Escrituras do passado. O Báb fora executado em 1850 e milhares de Seus seguidores massacrados. Pouco depois, em 1863, Bahá’u’lláh anunciava para um pequeno grupo de devotados seguidores ser Ele Aquele que o Báb predissera, inaugurando assim uma nova etapa na evolução espiritual da humanidade.

MICHAEL W. SOURS

Os principais pontos conclusivos apresentados na versão de Attár não contradizem necessariamente nenhum dos ensinamentos de Bahá’u’lláh. Por exemplo, no relato de Attár os pássaros viajam para sua meta, percebendo, na última etapa, que o objeto de sua busca situa-se dentro deles mesmos. Numa das mais conhecidas obras de Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, Ele escreve: “Volve teus olhos a ti mesmo, a fim de que, dentro de ti, Me possas encontrar, forte, poderoso, O que subsiste por Si Próprio”. Entretanto, tomada isoladamente, esta verdade espiritual pode ser interpretada de forma exclusivamente monística, negando toda dualidade ou separação entre Deus e a criação, e assim descartando qualquer necessidade de o indivíduo voltar-se aos Profetas e Mensageiros de Deus como mediadores. É possível interpretar Os Sete Vales de Bahá’u’lláh como um tratado que equilíbrio a esta questão, ao enfatizar a completa transcendência de Deus e a necessidade de se reconhecer nos Profetas os intermediários entre o mundo da criação e a Divindade. Para um breve exame de significado e origem da metáfora dos sete vales.