coletadas e editadas por Annamarie Honnold
Vinhetas da vida de ‘Abdu’l-Bahá não é uma biografia, mas uma compilação de pequenas histórias inspiradoras sobre o modo de vida bahá’í conforme demonstrado por ‘Abdu’l-Bahá, o Filho do Fundador da Fé Bahá’í, Bahá’u’lláh, e o perfeito Exemplar de Seus ensinamentos. Suas palavras e ações estavam em total harmonia. Sua vida — quando conhecida — serve para encorajar e fortalecer Seus admiradores, sejam jovens ou velhos, que tentam diariamente seguir Seu exemplo. Foi para seguir este exemplo que Ele chamou os bahá’ís; “[…] guiai os povos e ensinai as almas a seguirem o exemplo de ‘Abdu’l-Bahá […] Segui os passos de ‘Abdu’l-Bahá […]”
Diversos motivos me impeliram a escrever Vinhetas. Há muito sentia a necessidade de um livro conciso mostrando vários aspectos do caráter de ‘Abdu’l-Bahá. Achei que a melhor maneira de fazer isto seria recordando acontecimentos de Sua vida. Mostrar o quanto Ele era generoso, por exemplo, é mais significativo que simplesmente dizer que Ele era generoso. Contemplar Seu modo de vida feliz, prático, mas também divino pode nos guiar para uma maior satisfação em nossas próprias vidas, e preencher o vazio espiritual da atualidade com significado, certeza e alegria. De fato, quanto mais cedo descobrimos a verdade do sentido da vida, mais cedo podemos lidar com os assuntos da vida real. Todos nós — crianças, jovens e adultos — necessitamos, mais do que nunca, de uma figura heroica, um Exemplar digno de ser seguido. ‘Abdu’l-Bahá é Quem melhor preenche esta necessidade.
Há uma grande procura por histórias sobre ‘Abdu’l-Bahá. De um modo geral, as pessoas gostam de fatos interessantes. Entretanto, as histórias bahá’ís estão distribuídas por uma vasta literatura, que remonta a mais de um século, e muitas destas publicações não estão facilmente disponíveis hoje. Tendo acesso a alguns velhos livros em inglês, naturalmente me senti impelida a juntar em um manuscrito uma seleção destes episódios inspiradores. Estão apresentados de forma simples, sem nenhuma ordem cronológica, e sem os diversos detalhes encantadores que realçam os relatos biográficos.
Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá’í, aconselhou os crentes americanos a se lembrarem da conduta do Mestre: “Que recordem, destemida e resolutamente, o exemplo e a conduta de ‘Abdu’l-Bahá enquanto esteve entre eles. Lembrem-se de Sua coragem, Seu amor genuíno, Sua camaradagem informal e sem discriminação, Sua atitude de desdém e de impaciência para com a crítica, temperada por Seu tato e Sua sabedoria. Que reavivem e perpetuem a memória daqueles inesquecíveis e históricos episódios e ocasiões em que Ele demonstrou de um modo tão impressionante Seu senso agudo de justiça, Sua simpatia espontânea pelos espezinhados, Seu infalível senso da unidade do gênero humano, Seu transbordante amor pelos seus membros e Seu desagrado com aqueles que ousaram zombar de Seus desejos, ridicularizar Seus métodos, desafiar-Lhe os princípios ou invalidar-Lhe os atos”.
Mais recentemente, em 1966, a Casa Universal de Justiça pediu particularmente à juventude bahá’í para “desenvolver seu caráter seguindo o modelo do Mestre […]” . Uns três anos depois, este corpo supremo escreveu, dirigindo-se aos bahá’ís do mundo: “Ao contemplarmos o exemplo divino do Mestre, bem podemos refletir que Sua vida e ações não representavam uma conveniência, mas sim a expressão inevitável e espontânea de Seu ser interior. Nós, igualmente, podemos agir de acordo com Seu exemplo somente à medida que nossos espíritos interiores, crescendo e amadurecendo através da disciplina da prece e da prática dos Ensinamentos, se tornarem a fonte de todas as nossas atitudes e ações.” E em 1974, a Casa Universal de Justiça conclamou “ao desenvolvimento, na comunidade mundial bahá’í, de distintivas características bahá’ís […]”. Estas, o Mestre demonstrou em abundância.
“Através da percepção de ‘Abdu’l-Bahá como o Exemplar, ou a ‘encarnação de todo ideal bahá’í’, tanto adultos como crianças podem imediatamente captar o sentido da lei bahá’í e desenvolver a vontade interior de obedecê-la. De particular importância para as crianças são as histórias de ‘Abdu’l-Bahá que O mostram vivendo a vida bahá’í e sendo obediente ao Convênio. Se você em qualquer momento tiver dúvida sobre como agir em determinada situação, medite por um momento e então pergunte a si mesmo: ‘O que o Mestre faria?’” Assim escreveu o Dr. Daniel Jordan.
Portanto, a utilidade das histórias é bem reconhecida. O seu espírito dificilmente se engana. Se houver erro, poderá estar em algum pequeno detalhe. Evidentemente, sempre existe o problema da autenticidade. A referência dada ajudará o leitor a determinar se a história é autêntica ou se trata de uma nota de peregrinos — “meramente […] impressões pessoais das afirmações de seu Mestre […]”. É sabido que duas pessoas observando o mesmo evento podem dar versões diferentes sobre este. Além disso, detalhes também podem se perder com o passar do tempo. Mas como ‘Abdu’l-Bahá é o Exemplar da humanidade para os séculos futuros, é fundamental saber como Ele viveu. Uma história registrada é mais capaz de preservar sua forma original do que uma transmitida verbalmente durante gerações. Se alguma passagem estimular o interesse do leitor, ou certas citações parecerem estar fora de contexto, a referência dada poderá conduzir a uma melhor compreensão.
Outras dificuldades foram encontradas. Quando se deve parar o prazeroso processo de pesquisa para começar o enfadonho trabalho de escrita? O oceano é vasto; as pérolas são muitas. Como escolher as mais belas? As mais significativas? Mas era necessário começar enquanto ainda havia tempo.
Algumas pequenas correções foram necessárias, em parte devido à padronização da ortografia e a transliteração dos nomes persas, desde as primeiras publicações bahá’ís. Também, quando necessário, letras maiúsculas foram acrescentadas, em antigos registros, nos pronomes referentes a Bahá’u’lláh e ‘Abdu’l-Bahá. Todavia, algumas inconsistências ocorrem porque não me senti livre para editar todas as citações.
Foi necessário organizar o livro. A decisão de retratar o caráter de ‘Abdu’l-Bahá sob três títulos principais — Seu Coração Puro, Seu Coração Bondoso e Seu Coração Radiante — foi inspirada pela primeira “Palavra Oculta” do árabe, que diz: “Meu primeiro conselho é este: Possui um coração puro, bondoso e radiante, para que seja tua uma soberania antiga, imperecível e eterna.” Notar-se-á que a mesma história poderia certamente ser colocada em diferentes seções. Pois, ao demonstrar compaixão, Ele poderia também mostrar generosidade. As categorias se sobrepõem — mas era necessário colocar cada história em algum lugar. O importante é que Ele viveu aquilo que ensinou, e assim nos mostrou como fazer o mesmo.
As próprias deficiências da autora bem poderiam ter gerado total frustração e derrota. Mas o próprio ‘Abdu’l-Bahá não havia dito que não devemos nos preocupar com nossa própria fraqueza? “Não olhes tua fraqueza […]”, Ele aconselhou. É realmente presunçoso, e de fato impossível, para qualquer ser humano tentar fazer justiça a um Gênio Espiritual da posição de ‘Abdu’l-Bahá.
Entretanto, que este pequeno livro possa disseminar as fragrâncias divinas. Que possa servir como uma coleção, facilmente acessível, de histórias ternamente amadas sobre o Mestre, ‘Abdu’l-Bahá. E que possa estimular suficientemente o apetite espiritual do pesquisador sério para que se aprofunde mais nas numerosas ricas fontes bahá’ís. Possa ele ajudar também o fervoroso bahá´í, seja jovem ou velho, que esteja enfrentando uma situação complicada, a perguntar a si mesmo: “O que ‘Abdu’l-Bahá faria?” e encontrar a resposta. Na medida em que estas esperanças forem realizadas, Vinhetas terá servido seu propósito — trazer o Mestre em nossa vida cotidiana e inspirar-nos a emular Sua “divina arte de viver”.
Meu amor por ‘Abdu’l-Bahá é muito profundo. Ele abençoou minha irmã, Margaret K. Ruhe, e eu, ao revelar uma oração para nós quando nossos pais, Dr. Jakob Kunz e esposa, foram em peregrinação, em 1921. Ele desejou que crescêssemos “na madrepérola da educação bahá’í”. Esta educação conferiu alegria e significado às nossas vidas. Com um sentido de profundo agradecimento, espero que esta modesta contribuição nos ajude a todos enquanto nos esforçamos para promover os ideais bahá’ís em nós mesmos e nos outros.
Sou profundamente grata a minha mãe, Anna Kunz, que me conduziu ao nascimento espiritual. E apreciei imensamente o incentivo de meu marido, John, encorajando-me a trabalhar neste livro e por tê-lo tornado possível. Gostaria de agradecer também a Jeremy Fox e Marion Hofman por seu experiente trabalho editorial.
Detalhes completos dos títulos citados, com seus autores e editores, são dados nas Referências e na Bibliografia, com o meu grato reconhecimento a todos que permitiram seu uso. Sem estas diversas fontes — publicações e pessoas — este livro nunca poderia ter sido escrito. Profunda é minha gratidão aos muitos que se dispuseram e que ofereceram seu amor para registrar para a posteridade suas experiências pessoais.
Annamarie K. Honnold
Swarthmore, Pennsylvania, EUA, 1982
Desde a sua primeira publicação em 1982, Vinhetas se estabeleceu como uma fonte de histórias muito amada sobre a vida de ‘Abdu’l-Bahá. Para esta, a terceira reimpressão, o compilador acrescentou trinta novas histórias. Isto resultou em alterações aos números das referências, de forma que a numeração atual difere daquela da edição original; contudo, todas as histórias daquela edição estão presentes — nenhuma foi omitida. Um índice geral foi incluído para facilitar aos leitores a pronta localização de qualquer história que lhes tenha especialmente agradado.
O Editor Oxford, 1991
Este é um breve esboço de alguns dos principais aspectos da vida de ‘Abdu’l-Bahá. Destina-se principalmente àqueles leitores que ainda não estão muito familiarizados com a história de Sua vida, e para os quais algumas informações contextuais podem ser úteis para apreciar como estas histórias se encaixam nas diferentes etapas de Sua vida.
Logo após Seu nascimento, Seu Pai, Bahá’u’lláh, recebeu um pergaminho do Báb, cuja Missão divina reconheceu prontamente, tornando-Se um de Seus mais capazes promotores. Esta decisão logo levou a uma dramática mudança de circunstâncias para toda a família.
Após o trágico martírio do Báb em 1850, um atentado à vida do xá foi feito por dois bábís, alucinados pela dor e responsabilizando-o pela morte do Báb. Isto deflagrou extraordinária brutalidade e fanatismo em todo o Irã contra todos que eram suspeitos de serem seguidores do Báb. Nesta altura, quando ‘Abdu’l-Bahá tinha apenas nove anos, Bahá’u’lláh foi jogado em um calabouço em Teerã, Sua casa saqueada e Sua família forçada a se esconder na capital — suas vidas nunca mais seriam as mesmas.
Durante o período de Seu aprisionamento, o Pai de ‘Abdu’l-Bahá teve uma experiência na qual tomou ciência de ser aquele Prometido pelo Báb, destinado a Se tornar o Redentor do Mundo. Levado um dia para visitar Bahá’u’lláh, ‘Abdu’l-Bahá lembrou como “[…] um dia obteve permissão para entrar no pátio da prisão, a fim de ver Seu amado Pai quando Ele saía para Seu exercício diário. Bahá’u’lláh estava terrivelmente alterado, tão doente que mal podia andar; Seu cabelo e barba em desordem, Seu pescoço ferido e inchado devido à pressão do pesado aro de aço, Seu corpo curvado pelo peso das correntes, e a cena causou tal impressão na mente do sensível menino que jamais se apagou.” Foi naquela época que ‘Abdu’l-Bahá teve a Sua primeira experiência direta de perseguição, quando Ele foi acossado e apedrejado por jovens porque Ele era um “bábí.”
Embora Sua inocência fosse reconhecida, Bahá’u’lláh foi, todavia, exilado de Sua terra natal, indo com Sua família para Bagdá em 1853, onde permaneceram nos dez anos seguintes. A viagem foi dura, pois foi feita no inverno e com escassez de provisões — o Pai de ‘Abdu’l-Bahá doente devido ao Seu aprisionamento, e Sua mãe grávida. Duas vezes os dedos dos pés de ‘Abdu’l-Bahá congelaram, cujo efeito Ele sentiu pelo resto de Sua vida.
Durante a época de Bagdá, onde uma considerável comunidade de bábís começou a crescer — a maioria, refugiados das perseguições na Pérsia —, Bahá’u’lláh, como tantos outros Fundadores das religiões do mundo, retirou-Se para um lugar isolado — neste caso, durante dois anos, nas montanhas do Curdistão — e ninguém sabia onde Ele estava. Nesta época, ‘Abdu’l-Bahá, o filho mais velho de Bahá’u’lláh e pouco mais que uma criança, deu bastante apoio, coragem e esperança para Sua mãe e família. Quando voltou para casa, Bahá’u’lláh já tinha Se tornado conhecido por Sua santidade e sabedoria. Números crescentes de pessoas, além dos bábís, começaram a se juntar para vê-l’O, alguns sinceramente e alguns por curiosidade. ‘Abdu’l-Bahá Se encarregou de Se encontrar com estas pessoas, e somente o verdadeiramente sincero era admitido à presença de Seu Pai. Ele Se associava com homens de erudição, que ficavam maravilhados com Seu conhecimento, e quando eles perguntavam onde o tinha adquirido, ‘Abdu’l-Bahá simplesmente respondia “… de meu Pai.” Logo após a chegada deles em Bagdá, Bahá’u’lláh já havia confidencialmente falado a ‘Abdu’l-Bahá sobre a Revelação de Deus que recebera. e ‘Abdu’l-Bahá imediatamente acreditou n’Ele. Em 1863, antes de Seu banimento para Constantinopla (hoje Istambul), Bahá’u’lláh declarou Sua Missão àqueles seguidores do Báb que estavam reunidos no Jardim de Riḍván, fosse para d’Ele se despedir ou para compartilhar Seu novo exílio. Ele era o Redentor do Mundo prometido por todas as religiões do mundo e anunciado pelo Báb.
Após somente quatro meses em Constantinopla, eles foram exilados por mais cinco anos em Adrianópolis (hoje Edirne) onde Bahá’u’lláh proclamou publicamente Sua Missão aos líderes mundiais, tanto eclesiásticos como seculares, em uma série de cartas agora famosas.
Finalmente, em 1868, eles foram exilados pela quarta vez, nesta ocasião para ‘Akká, na época uma cidade imunda e insalubre na Palestina (hoje Israel). Lá, eles passaram os primeiros dois anos na “Suprema Prisão”, seguidos de mais sete anos dentro dos muros da cidade, virtualmente em estado de prisão domiciliar, ainda cativos na cidade-prisão. Foi durante esta época que ‘Abdu’l-Bahá Se casou.
Desde a época da chegada da família em ‘Akká, Bahá’ulláh cada vez mais confiava a ‘Abdu’l-Bahá, a Quem Ele sempre Se referia como o “Mestre”, todos as relações com os oficiais e o público. Em 1877, tal era o respeito e a admiração, tanto para Bahá’u’lláh como para o Mestre, que, apesar de estarem sendo supostamente mantidos em estrito confinamento, o governador permitiu que Bahá’u’lláh e Sua família se mudassem para viver no campo, onde Bahá’u’lláh eventualmente faleceu em 1892 na Mansão de Bahjí.
Em Seu Testamento, Bahá’u’lláh havia nomeado ‘Abdu’l-Bahá como o Centro de Seu Convênio — todos os bahá’ís deveriam se dirigir a Ele para obter guia. Ele seria o único Intérprete dos Ensinamentos de Seu Pai, o perfeito “Exemplar de Sua Fé” e o “Pastor de Seu rebanho”. A Ele se dirigiu a órfã comunidade bahá’í, reconhecendo n’Ele “[…] seu Consolo, seu Guia, seu Esteio e Protetor”.
Lamentavelmente, o meio-irmão de ‘Abdu’l-Bahá, junto com vários outros parentes próximos, ficou extremamente dominado pelo ciúme da exaltada posição dada a ‘Abdu’l-Bahá no Testamento de Seu Pai, o que lhe despertou inveja “[…] tão fatal como aquela que a superior excelência de José havia incendiado nos corações de seus irmãos, tão profundamente arraigada como aquela que ardera no peito de Caim e o incentivara a matar seu irmão Abel”. Embora isto não tenha causado nenhuma ruptura permanente na unidade da comunidade bahá’í, causou muitas aflições e sofrimentos pessoais para ‘Abdu’l-Bahá, conforme indicado em algumas das seguintes histórias.
Durante aqueles últimos anos do século dezenove, ‘Abdu’l-Bahá começou a enviar instrutores para a América, bem como para o Oriente, e na virada do século um crescente número de peregrinos do Ocidente começou a chegar para ver ‘Abdu’l-Bahá. Isto continuou praticamente até a deflagração da Primeira Guerra Mundial.
Em 1908, a Revolução dos Jovens Turcos, que levou à libertação de todos os prisioneiros políticos e religiosos no Império Otomano, foi outro marco decisivo na vida de ‘Abdu’l-Bahá. Assim, após quarenta anos de confinamento na Palestina, ‘Abdu’l-Bahá pôde desfrutar de liberdade de movimento, e Lhe foi possível planejar Suas importantes viagens pré-guerra de 1911 e 1912-13 pela Europa e América, para proclamar e explicar a Mensagem de Seu Pai.
Uma indicação do interesse suscitado por Sua visita ao Ocidente pode ser avaliada por estas palavras de Lady Blomfield, em cuja casa ‘Abdu’l-Bahá permaneceu, em Londres. “Oh, esses peregrinos, esses convidados, essas visitas! […] lembrando-nos daqueles dias, sentimos nossos ouvidos plenos do som de seus passos — à medida que vinham de todos os países do mundo. Todos os dias, o dia todo, uma torrente constante, uma interminável procissão! Sacerdotes e missionários, eruditos orientalistas e estudantes ocultistas, homens de negócios, como também místicos, anglicanos, católicos, dissidentes do anglicanismo, teosofistas e hindus, adeptos da ciência cristã e médicos, muçulmanos, budistas e zoroastrianos. Visitaram-n’O também: políticos, soldados do Exército da Salvação, e outros que trabalhavam pelo bem da humanidade, mulheres sufragistas, jornalistas, escritores, poetas, curandeiros, modistas, grandes damas, artistas e artesãos, pobres desempregados e comerciantes prósperos, gente do mundo do drama e da música — todos eles vieram, e nenhum era tão humilde, nenhum tão grande, para receber a compreensiva consideração deste santo Mensageiro, que estava sempre doando Sua vida pelo bem alheio.”
Assim, em 1912, tendo previamente visitado Londres e Paris, depois de ter passado o inverno no Egito, ‘Abdu’l-Bahá, apesar de Sua saúde debilitada e de Sua idade (então 68 anos) realizou um rigoroso programa de proclamação da Mensagem de Bahá’u’lláh, viajando de uma costa a outra dos Estados Unidos bem como ao norte do Canadá. “[…] somente na cidade de Nova Iorque falou em público em vários lugares e realizou visitas formais a muitos outros, somando ao todo cinquenta e cinco. Sociedades pacifistas, congregações cristãs e judaicas, colégios e universidades, organizações de assistência social e de caridade, membros de cultos éticos, centros de Novo Pensamento, grupos metafísicos, clubes femininos, associações científicas, reuniões de esperantistas, teosofistas, mórmons e agnósticos, instituições para o progresso dos homens de cor, representantes das comunidades sírias, armênias, gregas, chinesas e japonesas — todos entraram em contato com Sua presença dinâmica e tiveram o privilégio de ouvir de Seus lábios a mensagem de Seu Pai. E nem tampouco tardou a imprensa, em Seus comentários editoriais, ou por meio da publicação de notícias sobre Suas conferências, a apreciar a largueza de Sua visão ou o caráter de Seu chamado.” Isto foi ainda mais extraordinário quando nos damos conta de que Seu primeiro discurso público havia sido dado do púlpito do City Temple, em Londres, no ano anterior. Ele completaria um segundo e mais extenso roteiro na Europa, no caminho de volta à Terra Santa. Muitas das histórias contidas neste volume tiveram sua origem nestas históricas viagens ocidentais, e um número considerável de discursos, feitos durante esta viagem, estão registrados em livros tais como Palestras de ‘Abdu’l-Bahá em Paris, ‘Abdu’l-Bahá em Londres, ‘Abdu’l-Bahá in Canada e A Promulgação da Paz Universal, que contém cento e trinta e nove discursos dados nos Estados Unidos e no Canadá.
Depois da guerra, peregrinos conseguiram novamente viajar até a Palestina para visitar o Mestre em Haifa, onde tinha Sua residência ao pé do Monte Carmelo, perto do Santuário do Báb.
Em 1920, recebeu o título de Cavaleiro do Império Britânico por Seus esforços em aliviar os sofrimentos dos habitantes da Palestina durante os dias difíceis da Primeira Guerra Mundial.
‘Abdu’l-Bahá manteve um surpreendente volume de correspondência global, e sabe-se que escrevia cerca de noventa cartas em um dia, “[…] passava muitas noites, do anoitecer ao alvorecer, sozinho em Seu dormitório, ocupado com as correspondências que a pressão de Suas múltiplas responsabilidades não lhe havia permitido responder durante o dia.” O Centro Mundial tem mais de 19.000 de Suas cartas originais e cópias autenticadas.
Um dos frutos mais notáveis destas viagens ocidentais foi Sua série de cartas dirigidas aos bahá’ís americanos, conhecidas como as Epístolas do Plano Divino, Sua carta magna para todos os futuros planos de ensino destinados a estabelecer a Fé Bahá’í em todo o mundo.
No contexto de uma vida significativa, quais foram, além das que já foram mencionadas, as principais realizações de ‘Abdu’l-Bahá? Em primeiro lugar, a preservação da unidade da comunidade bahá’í mundial, não somente durante Sua própria vida, mas no futuro, através da clareza de Suas instruções contidas em Sua Última Vontade e Testamento, um documento de extrema importância “que deu origem […], definindo-lhe os contornos e pondo em movimento os […] processos” da estrutura administrativa da Fé a ser desenvolvida após Seu passamento. Ele conseguiu, embora parecesse impossível, levar a cabo as instruções de Bahá’u’lláh para transferir os restos mortais do Báb do Irã à Terra Santa e sepultá-los em um Santuário no Monte Carmelo, no lugar exato que Baháu’lláh havia indicado. Ele iniciou a construção das duas primeiras Casas de Adoração Bahá’í — a primeira no Turquestão Russo, a segunda nos Estados Unidos. Ele advertiu claramente os líderes e pensadores mundiais dos perigos e obstáculos à paz mundial e colocou em prática as medidas prescritas por Bahá’u’lláh para tornar possível a paz, através do estabelecimento de uma Nova Ordem Mundial.
Quando faleceu em 1921, dez mil pessoas, representando uma ampla variedade de diferentes raças, classes e religiões, vieram para prestar seu tributo final. Seu funeral foi “[…] um funeral cujo igual nem Haifa, nem a própria Palestina, seguramente jamais presenciaram; tão profundos foram os sentimentos que juntaram tantos milhares de enlutados […]”
“O Alto Comissário da Palestina, Sir Herbert Samuel, o governador de Jerusalém, o governador da Fenícia, os altos funcionários do governo, os cônsules de vários países, residentes em Haifa, os líderes de várias comunidades religiosas, as altas personalidades da Palestina, judeus, cristãos, muçulmanos, drusos, egípcios, gregos, turcos, curdos e uma hoste de Seus amigos americanos, europeus e nativos, homens, mulheres e crianças, tanto de classes altas como de classes baixas, ao todo, cerca de dez mil, chorando a perda de seu Amado.”
Sua vida foi de serviço incondicional a Deus, à mais recente Manifestação de Deus para o gênero humano — Bahá’u’lláh — e à humanidade, cujo elevado destino Ele nunca deixou de afirmar. Sua vida é extraordinária pela harmonia entre Suas palavras e ações. É de importância histórica para o mundo não somente pelo papel vital que Ele teve no efetivo estabelecimento da mais recente Revelação de Deus na Terra, mas também porque Seu exemplo e Seus ensinamentos continuam a viver e exercer sua influência na vida diária daquele crescente número de milhões de bahá’ís do mundo inteiro para os quais Ele é não só o perfeito exemplo da “divina arte de viver” como também “um abrigo para toda a humanidade”.
Para um relato mais extenso da vida de ‘Abdu’l-Bahá, o leitor poderá recorrer à biografia ‘Abdu’l-Bahá de H. M. Balyuzi e seções relacionadas de A Presença de Deus por Shoghi Effendi, Guardião da Fé Bahá’í e neto de ‘Abdu’l-Bahá. Detalhes destes e outros livros poderão ser encontrados na bibliografia ao final deste volume.
‘Abdu’l-Bahá
1
2
Quando as pessoas disseram a ‘Abdu’l-Bahá quão felizes estavam por Ele estar agora livre, Ele respondeu:
“Liberdade não é uma questão de lugar, mas de condição. Eu era feliz naquela prisão, pois aqueles dias foram passados no caminho do serviço.
Para mim, a prisão era liberdade.
As aflições são um descanso para mim.
Morte é vida.
Ser desprezado é uma honra.
Portanto eu estava pleno de felicidade durante todo o tempo que passei na prisão.
Quando se está livre da prisão do ego, esta é a verdadeira liberdade! Pois o ego é a maior prisão.
Quando esta libertação é alcançada, jamais podemos ser aprisionados.
A menos que alguém aceite as horrendas vicissitudes — não com melancólica resignação, mas com aquiescência radiante — não pode alcançar esta liberdade.”